quinta-feira, 31 de março de 2011

O ''Relatório de Inflação'' e o fatalismo do Banco Central

Parece estar havendo um divórcio crescente entre a visão do Banco Central (BC) e a do mercado. O Relatório de Inflação que acaba de ser divulgado não deverá contribuir para aproximá-las. Pode-se resumir a visão do BC dizendo que, embora reconheça que em relação ao mesmo documento de dezembro há um ambiente melhor para a economia, as projeções pioraram muito, num contexto em que os riscos aumentaram, a par de uma atitude mais conciliadora das autoridades monetárias.
A partir de uma análise do agravamento das pressões inflacionárias, o BC admite, no seu melhor cenário, que a inflação neste ano será de 5,5%, mas deverá cair para 4,4% em 2012.
Em todo o texto do documento se registra uma atitude das autoridades de aceitação fatalista, para 2011, de um aumento da inflação, concentrando-se, só no próximo ano, todos os esforços para chegar ao centro da meta.
Esse fatalismo, que poderá elevar a inflação a até 6,6% no terceiro trimestre deste ano (em termos anualizados), parece ter sua origem em alguns fatores como a elevação do preço das commodities, a indexação do mercado do trabalho, etc., sem que se admita que as autoridades monetárias demoraram demais, no clima eleitoral de 2010, para reagir às pressões.
Os acontecimentos deste início de ano (expansão de crédito, nível elevado do consumo, reajustes salariais) não são analisados sob o ângulo das suas consequências para os meses seguintes.
Como sempre, quando se trata da política fiscal do governo, as autoridades monetárias renovam seu ato de fé no cumprimento da meta do superávit primário e no compromisso de austeridade nos gastos públicos, com base no resultado fiscal de um mês em que os investimentos recuaram.
Ao analisar os riscos da sua projeção, o Relatório de Inflação está incluindo a expectativa de inflação que o próprio documento vem alimentar. Parece que o BC tem medo de adotar medidas mais drásticas para conter o crescimento do consumo doméstico, que hoje é, certamente, o fator principal da alta de preços. Sem dúvida, as autoridades monetárias não têm culpa por essa evolução, a não ser talvez por não terem a coragem de criticar a passividade ou até cumplicidade do governo, ao permitir alguns reajustes salariais que estão jogando óleo na fogueira da inflação.
Sem dúvida a sucessora de Lula mostra maior responsabilidade na condução da política econômica. Mas o lulismo deixou hábitos que continuam a envenenar o cenário. Estadão