sexta-feira, 29 de abril de 2011

'Não tenha medo', disse papa a líder de oposição ao comunismo

A intervenção do Papa João Paulo 2º foi decisiva para devolver a confiança aos poloneses ante a ameaça do regime comunista, relembrou o chefe histórico do sindicato Solidarnosc (Solidariedade), Lech Walesa, 67.

"Ele nos acordou", declarou em uma entrevista à AFP o ex-presidente polonês, que estará em Roma neste domingo (1º) para a beatificação de João Paulo 2º.

"Ele disse 'Não tenham medo, mudem a cara do mundo'. Nosso país acordou e outros fizeram o mesmo", acrescentou, mencionando a mensagem do papa feita em sua primeira viagem a Varsóvia, em junho de 1979.

Em seu escritório em Gdansk, porto do Mar Báltico, onde o primeiro sindicato livre do bloco soviético foi criado, no verão de 1980, o ex-eletricista, que se tornou especialista em cibertecnologia, tirava fotos com seus convidados usando um tablet, e as colocava diretamente em seu blog, antes de começar a contar suas memórias.

Na época da eleição de João Paulo 2º, em 1978, poucos militantes estavam ativos nos estaleiros de Gdansk.

"Nós éramos cerca de 50 de um total de 17 mil operários, talvez nem isso! E após a eleição do Santo Padre, quase todo mundo se uniu ao movimento quando criamos o Solidariedade", relembrou Walesa, vencedor do Prêmio Nobel da Paz em 1983.

Em 16 meses, o Solidariedade reuniu 10 milhões de membros entre os 36 milhões de habitantes da Polônia, no momento em que o general Wojciech Jaruzelski impunha a lei marcial, em dezembro de 1981.

OPOSIÇÃO

Walesa não deixou de recordar o papel crucial que ele mesmo desempenhou nos acontecimentos em seu país.

Segundo ele, em Cuba --país que recebeu a visita do papa em 1998-- nada mudou "porque não havia ninguém para organizar a oposição".

A mesma coisa poderia ter acontecido na Polônia "se não tivesse alguém capaz de transformar tudo aquilo em um movimento bem-sucedido. O Santo Padre nos deu o Verbo e nós o transformamos em Carne", disse.

Para Walesa, João Paulo 2º contribuiu para a derrubada da primeira peça do dominó, que futuramente levaria o muro de Berlim à ruína e à queda da União Soviética.

"Como polonês, estou inclinado a admitir que tudo começou com o Solidariedade, do outro lado da barricada", declarou o ex-dirigente comunista à AFP, em agosto de 2005.

"Mas a situação geral precisava amadurecer também. O aparecimento de um papa polonês, em 1978, desempenhou um papel de grande importância, que não teria se fosse 20 anos antes", frisou.

Em 1983, quando João Paulo 2º foi novamente à Polônia, ele insistiu, junto ao general Jaruzelski, para encontrar Lech Walesa, figura então abominada pelo poder comunista.

Foi "um encontro privado" entre o papa e "o simples cidadão Walesa" acompanhado da família, organizado num refúgio discreto nas montanhas Tatras, conta.

"Os comunistas não queriam [o encontro]. Fizeram tudo para impedir. Mas o Santo Padre estava determinado e me ajudou", contou Lech Walesa. FRANCE PRESS/FOLHA