Iniciado há dez anos, com grande atraso em relação ao que ocorria no resto do mundo, o programa de estímulo à instalação da indústria nacional de semicondutores não cumpriu o seu cronograma, e só em 2012, cinco anos depois do previsto, deverá sair da linha de produção o primeiro chip brasileiro. Mesmo assim, talvez haja motivos para comemorar.
Se isso de fato ocorrer - e também se se concretizar o anunciado projeto da taiwanesa Foxconn de fabricar no Brasil displays para uso em tablets, celulares, televisores e computadores portáteis, de cuja viabilidade conhecedores do setor duvidam -, o Brasil poderá começar a reverter uma tendência que preocupa a indústria. Trata-se do rápido crescimento do déficit comercial dos produtos industrializados, sobretudo os de alta tecnologia e de média para alta tecnologia, classificações que incluem equipamentos de informática e comunicação, produtos eletroeletrônicos em geral, máquinas e equipamentos, entre outros.
O saldo comercial dos produtos industrializados passou por uma radical transformação nos últimos cinco anos. De um superávit de US$ 30 bilhões em 2005, passou para um déficit de US$ 35 bilhões em 2010. Ao contrário das grandes mudanças na balança comercial brasileira observadas no governo Collor, por causa da abrupta abertura do mercado interno, e no governo Fernando Henrique, devido à valorização do real em relação ao dólar, desta vez não há um fator tão óbvio que explique a profunda transformação do saldo dos bens industrializados, mas um conjunto de fatores, o que torna o problema mais complicado.
Em trabalho divulgado em seu mais recente boletim, o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) mostra que, nos primeiros três meses de 2011, o déficit comercial de bens industrializados alcançou US$ 10 bilhões (no período, ressalve-se, a balança comercial brasileira registrou superávit de US$ 3,2 bilhões em razão dos resultados expressivos de outros setores). Mantida a tendência, o déficit deste ano será bem maior do que o do ano passado.
Ao examinar o desempenho dos produtos industrializados de acordo com o grau de incorporação de tecnologia - eles são classificados como de alta, média-alta, média-baixa e baixa tecnologia -, o Iedi aponta para outro resultado preocupante. Os produtos de média-alta e alta tecnologia registraram, nos três primeiros meses deste ano, seu pior déficit em duas décadas, de US$ 17,7 bilhões, US$ 5 bilhões mais do que o resultado negativo do primeiro trimestre de 2010 e o dobro do déficit de 2008 e 2009.
Já a indústria de baixa tecnologia - que inclui como principais produtos madeira, papel, celulose, alimentos, bebidas, fumo, têxteis e calçados - registrou superávit de US$ 8,5 bilhões no trimestre, o que reduziu de maneira significativa o déficit do setor industrial no período. Ressalte-se, porém, que, na balança comercial dos produtos de baixa tecnologia, o desempenho deles foi desigual. Enquanto o setor de madeira manteve o comportamento observado nos últimos anos, o de alimentos aumentou o seu superávit e o de tecidos e calçados passou a registrar déficit.
"Toda incorporação de tecnologia que precisava ser feita aconteceu da abertura para cá. A hora é de investir em inovação e novos modelos de produção", disse ao jornal Valor o economista-chefe do Iedi, Rogério Cezar de Souza, para quem a indústria vive um momento decisivo. É preciso acelerar os programas de estímulo à inovação e à pesquisa e desenvolvimento. Igualmente é necessário atrair investimentos para os setores mais promissores no mercado mundial, justamente os de média e alta tecnologia, para aumentar as exportações. Isso deve ser feito sem ignorar as indústrias de baixa incorporação de tecnologia, não apenas porque elas geram proporcionalmente mais empregos, mas também porque elas precisam estar atualizadas para não perderem mercados. Acima de tudo, é preciso criar condições mais propícias para o crescimento, com a melhoria do sistema tributário, o aumento do crédito para o investimento e a recuperação e a expansão da infraestrutura. ESTADÃO