terça-feira, 17 de maio de 2011

Argentina eleva restrição a Brasil na ONU após impasse comercial

A Argentina redobrou na segunda-feira suas ações de diplomacia contra a aspiração do Brasil para integrar o Conselho de Segurança da ONU como membro permanente, no momento em que as duas maiores economias sul-americanas mantêm uma disputa comercial.

O chanceler argentino, Héctor Timerman, em Roma para uma reunião especial sobre a ampliação do organismo da Organização das Nações Unidas, fez comentários que foram interpretados por diplomatas como uma campanha contra a adesão do Brasil ao Conselho.


Timerman disse em nota oficial que "a reforma do Conselho de Segurança deve ganhar mais representatividade democrática e que não haja novos privilegiados", em uma frase que diplomatas consultados pela Reuters interpretaram como dirigida ao Brasil.

Os comentários coincidem com o agravamento de uma disputa comercial entre Brasil e Argentina.

Ambos os países, que têm um comércio bilateral superior a US$ 30 bilhões, mantêm desde a semana passada uma disputa comercial, iniciada após a decisão do governo brasileiro de dificultar a entrada em seu mercado de automóveis importados, entre eles os fabricados na Argentina.

Coincidentemente, opositores à proposta de ampliar o Conselho de Segurança da ONU convocaram uma reunião em Roma, na Itália, para acertar uma posição comum contra a possibilidade de permitir a entrada de nações como Alemanha, Japão ou gigantes emergentes, como Índia ou Brasil.

Os cinco membros permanentes, e que têm direito a voto, são Estados Unidos, França, Rússia, Reino Unido e China, um reflexo do cenário global surgido depois da Segunda Guerra Mundial.

O Brasil, a maior economia latino-americana e que se converteu em um ator global graças à força de sua economia e às políticas sociais inovadoras, tem defendido há anos a ampliação do Conselho de Segurança.

O país leva adiante uma campanha para se tornar um membro permanente do grupo que decide sobre sanções por guerra e o envio de missões de paz.

"Nenhum país deve pensar que merece o eterno direito de pertencer ao Conselho de Segurança", porque que esse órgão "não é nem democrático nem multilateral", insistiu Timerman em mensagem no Twitter.

O chanceler argentino acrescentou que, se estavam superadas as condições criadas entre vitoriosos e derrotados da Segunda Guerra Mundial, também estavam as condições que justificaram a instituição do veto, segundo nota da chancelaria argentina.

Segundo analistas e diplomatas, uma ainda hipotética reforma do Conselho de Segurança que reflita as ambições do Brasil deveria contar com o amplo apoio de países latino-americanos, mas México e Argentina se opõem às aspirações de Brasília.

CONFLITO DESNECESSÁRIO

"Brasil e Argentina mantêm seus critérios (sobre planos de reforma do Conselho de Segurança). Mas é uma pena exibir a diferença ao mais alto nível de chanceleres e convertê-la em um tema de alta visibilidade. Não acrescenta nada, exceto outro conflito desnecessário", disse à Reuters o ex-vice-chanceler argentino Andrés Cisneros.

A participação de Timerman na reunião de Roma "é uma repetição da natureza da política exterior que este chanceler quer fazer, de uma grande exposição e conflito", acrescentou Cisneros.

A medida comercial do governo brasileiro provocou uma reclamação de Buenos Aires por problemas no acesso de vários produtos argentinos ao mercado do Brasil, país com o qual tem um crescente deficit nas suas trocas comerciais e para onde enviou no ano passado carros e autopeças por cerca de US$ 7 bilhões.

Ministros dos dois países deverão se reunir em breve para tratar da disputa, segundo uma fonte diplomática.

Em fevereiro, a Argentina aumentou o número de produtos que precisam de licenças não automáticas de importação, afetando a entrada de produtos brasileiros e multiplicando queixas de empresários e importadores.

O especialista em assuntos de comércio Félix Peña, presidente da Fundação Standard Bank e ex-subsecretário de Comércio Exterior da Argentina, disse que o setor automotivo de Argentina e Brasil está profundamente integrado, o que o faz acreditar que a disputa "amenizará logo".

Peña afirmou que medidas de restrição ao comércio não deveriam ser aplicadas no Mercosul, bloco formado por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. REUTERS/FOLHA