Seis meses atrás, o presidente Barack Obama enfrentou uma crise de reféns. Os republicanos ameaçaram bloquear a prorrogação dos cortes de impostos para a classe média a menos que Obama cedesse e concedesse prorrogação semelhante aos cortes de impostos que beneficiam os ricos. E o presidente cedeu, na prática, dando ao Partido Republicano tudo que este desejava.
Agora, como seria de prever, o partido quer fazer novos reféns: a chantagem funcionou bem em dezembro, por que não tentar de novo? Desta vez, os republicanos da Câmara dos Deputados afirmam que recusarão autorização para elevar o limite de dívidas federais -uma atitude que poderia causar danos graves à economia- a menos que Obama aceite grandes cortes de gastos; ao mesmo tempo, rejeitam também qualquer aumento de impostos. A questão passa a ser: o que poderia levar o presidente a recusar sua chantagem, se é que isso é possível?
O limite às dívidas federais é uma estranha característica das leis norte-americanas, aliás: já que o Congresso precisa votar para autorizar gastos e determinar as alíquotas dos impostos, por que se torna necessário uma segunda votação para determinar a captação de recursos que essas políticas de tributação e gastos implicam? Na prática, porém, os legisladores historicamente sempre se provaram dispostos a elevar o limite de dívidas quando isso se tornou necessário, e por isso essa excentricidade do sistema norte-americano jamais teve grande importância -até agora.
O que mudou? A resposta está na radicalização do Partido Republicano. Normalmente, um partido que não controla nem a Casa Branca e nem o Senado reconheceria que não está em posição de impor sua agenda ao país. Mas os modernos republicanos não acreditam em seguir as regras normais.
Assim, o que acontecerá caso o limite não seja elevado? Tornou-se moda afirmar que isso não teria grande importância. No sábado, um editorial do "Wall Street Journal" ridicularizava as pessoas preocupadas com a possibilidade de que o limite de endividamento seja atingido, definindo-as como "o lobby do Armagedom".
É difícil determinar o que essa turma de despreocupados acredita estar dizendo, ou se eles estão agindo assim simplesmente para estabelecer uma posição dura de negociação. De qualquer forma, é quase certo que estejam errados: caso o limite de dívidas não seja elevado, haverá consequências seriamente desagradáveis.
Caso venhamos a atingir o limite de dívidas, o governo seria forçado a deixar de pagar cerca de um terço de suas contas, porque é essa a proporção das despesas públicas que no momento é bancada por dinheiro emprestado. Portanto, o que o governo deixará de pagar? Suspenderá o envio de cheques de aposentadoria? Deixará de pagar os médicos e hospitais que tratam pacientes cobertos pelo programa de saúde Medicare? Deixará de pagar os fornecedores de combustível e munições às forças armadas? Ou suspenderá o pagamento dos juros da dívida pública?
Não se pode responder que "nenhuma das anteriores". Como escrevi em colunas anteriores, o governo federal é basicamente uma companhia de seguros dotada de um exército, e por isso acabo de descrever todos os componentes mais importantes dos gastos federais. Pelo menos um, e possivelmente diversos, deles teria de encarar uma suspensão de pagamentos caso a captação federal seja impedida.
E que efeito teria essa suspensão de pagamentos sobre a economia? Nada de bom. O consumo provavelmente despencaria, porque os idosos, preocupados, não saberiam como exatamente pagar seus aluguéis e sua comida. As empresas que dependem de contratos governamentais teriam de demitir funcionários e cancelar investimentos.
Além disso, é bastante possível que surja pânico nos mercados, especialmente caso os pagamentos de juros sejam suspensos. E as consequências de solapar a confiança dos investidores quanto aos títulos de dívida norte-americanos poderiam ser especialmente severas, porque esses papéis desempenham papel crucial em muitas formas de transação financeira.
Assim, atingir o limite de dívida seria muito desagradável. Infelizmente, pode ser que seja inevitável.
Por quê? Porque estamos falando de uma crise de reféns. Caso o presidente e seus aliados aceitem o princípio de que o fracasso em elevar o limite de dívidas é um resultado impensável, que deve ser evitado a qualquer custo, estarão na prática transferindo todo seu poder àqueles que têm a capacidade de causar esse problema. Na prática, terão rasgado a Constituição e entregado o controle do governo dos Estados Unidos a um partido que controla apenas uma das casas do Congresso, mas se alega disposto a afundar a economia a menos que consiga o que deseja.
Existem, é claro, bons motivos para acreditar que os republicanos não estão assim tão dispostos a derrubar a casa, apesar do que alegam. Os interesses empresariais deixaram claro que se sentem horrorizados diante da perspectiva de que o limite de dívidas seja atingido. Até mesmo a Câmara de Comércio dos Estados Unidos, virulenta adversária de Obama, instou o Congresso a "elevar o limite o mais rápido possível". E um confronto quanto a gastos só serviria para colocar em destaque o fato de que os republicanos conquistaram sua grande vitória do ano passado em larga medida ao prometer que protegeriam o Medicare, e assim que assumiram votaram pelo desmantelamento do programa.
Mas o presidente não pode expor o blefe dos chantagistas a menos que esteja disposto a enfrentá-los e a aceitar os riscos a isso associados.
De acordo com o senador Harry Reid, líder da maioria democrata no Senado, Obama instruiu os democratas a não estabelecerem posições inegociáveis, nas discussões sobre o limite de endividamento. Bem, podem me incluir entre as pessoas que consideram essa estratégia totalmente incompreensível. Chegará o momento -e isso não vai demorar- em que o presidente terá de estabelecer uma posição que não admite recuos. De outra forma, seria melhor que ele deixasse a Casa Branca e entregasse as chaves ao movimento Tea Party.
TRADUÇÃO DE PAULO MIGLIACCI
Paul Krugman, 57 anos, é prêmio Nobel de Economia (2008), colunista do "The New York Times" e professor na Universidade Princeton (EUA). Um dos mais renomados economistas da atualidade, é autor ou editor de 20 livros e tem mais de 200 artigos publicados em jornais especializados. FOLHA