quinta-feira, 30 de junho de 2011

Nova lei na Espanha dá multa de R$ 230 mil para quem ajuda ilegais

Ajudar um imigrante ilegal na Espanha pode custar caro: até R$ 230 mil de multa para quem der abrigo, comida e trabalho a estrangeiros sem documentos.

A nova lei de imigração que entra em vigor nesta quinta-feira chega em meio a polêmica; alguns alegam que ela pune a solidariedade e aumenta as vias de deportação.

A legislação tem 264 artigos e já começa com muitas reclamações de ONGs, associações humanitárias e consulados. A principal crítica é que a norma visa facilitar as expulsões.

Entre as medidas mais polêmicas da Lei Orgânica sobre Direitos e Liberdades de Estrangeiros na Espanha estão as multas por ajudar imigrantes em situação ilegal e os novos sistemas para renovação de licenças de residência e trabalho.

Um empregador que der trabalho a um estrangeiro sem documentação cometerá infração muito grave, punida com multa entre R$ 130 mil e R$ 230 mil e com os custos da deportação do trabalhador.

Um espanhol que se comprometer a se ocupar de um visitante através da carta-convite (documento que permite a estância pelo período máximo de três meses) também será punido - multa de R$ 23 mil - caso este turista decida ficar no país morando ilegalmente.

A renovação das licenças de residência e trabalho incluirão um informe dos governos locais sobre "esforço de integração". Prefeituras e províncias darão seus pareceres ao governo nacional.

Se as não licenças não forem renovadas, a sentença é a expulsão imediata.

O estrangeiro também será sabatinado pela polícia. Deverá responder questões sobre normas constitucionais, União Europeia, democracia, direitos humanos, igualdade de gênero e, mesmo sem ter antecedentes penais, pode ter a renovação negada, se a conclusão do informe policial for desfavorável.

"Esta lei desrespeita todos os direitos básicos", disse à BBC Brasil o diretor-geral da seção espanhola da Anistia Internacional, Esteban Beltrán.

"Está escrita de forma a mostrar os imigrantes como seres descartáveis em vez de tratá-los como pessoas que também têm direitos", concluiu.

A Comissão Espanhola de Ajuda ao Refugiado (CEAR) também criticou a reforma.

"A única coisa que esta lei consegue é fechar as portas para qualquer integração dos imigrantes. A Espanha está excluindo da nossa sociedade os imigrantes, retirando todos os direitos deles", opinou o secretário-geral da CEAR, Alfredo Abad.

Sobre a punição por ajudar ilegais, o secretário da CEAR chamou a medida de "vergonhosa", por distorcer o papel da ajuda humanitária. "Querem nos transformar de um povo solidário (com os imigrantes) em fiscais de imigração, e isso é inaceitável".

REAGRUPAMENTO FAMILIAR

A nova lei cria o status de reagrupamento familiar, mas com pré-condições.

Um estrangeiro sem documentação que tiver um filho com nacionalidade espanhola, poderá pedir regularização se a criança for menor de idade, para se manter próximo do filho.

Quem quiser trazer parentes de seu país de origem, só poderá fazê-lo com pais maiores de 65 anos, cônjuges e filhos menores de idade. Nestes casos, o responsável por tramitar o pedido tem que estar morando há pelo menos cinco anos na Espanha legalmente e passar no teste do cálculo.

O teste é o resultado de uma estimativa do governo. O Estado soma os seis últimos salários do imigrante e tira uma média. Essa cifra é a base do que as autoridades acreditam que o estrangeiro receberá no próximo ano.

A estimativa tem que alcançar 100% do Índice Público de Renda de Efeitos Múltiplos (IPREM), atualmente 532 euros por mês, aproximadamente R$ 1.220.

Só que, por cada um dos parentes que o imigrante trouxer à Espanha, são adicionados 50% extra ao valor da estimativa. Para trazer esposa e dois filhos um trabalhador precisa provar que ganhará mensalmente no mínimo R$ 2.240.

DISCURSOS XENÓFOBOS

O sistema provocou críticas internacionais. A embaixada do Equador (país com maior contingente de imigrantes latino-americanos na Espanha) fez uma queixa formal.

Segundo nota da embaixada, "não é justo que se trate os imigrantes de maneira utilitarista". 

O governo equatoriano acha que a lei "promove um retorno forçado, condenando os imigrantes à ilegalidade ou a expulsão".

Para a Federação Estatal de Associações de Imigrantes e Refugiados (FERINE), que engloba 80 organizações de estrangeiros, a lei estimula discursos xenófobos.

"A lei é injusta, ambígua - porque ninguém sabe o que é um 'esforço de integração' -, ignora nossos direitos e estabelece a sanção de expulsão. Isso promove o populismo racista", disse à BBC Brasil o secretario Victor Sáez.

A Secretaria de Estado de Imigração respondeu à BBC Brasil que o objetivo da lei "é dar respostas ágeis e eficazes aos desafios atuais". O governo nega qualquer discriminação aos imigrantes e diz que "apenas procura vincular a imigração ao mercado de trabalho e ordenar os fluxos".

Apesar de entrar em vigor imediatamente, a lei ainda está incompleta. Depois de dois anos de debates no Parlamento, alguns capítulos, como os casos de menores estrangeiros que entram desacompanhados e as prostitutas vítimas de exploração, não estão decididos.

BBC BRASIL/FOLHA