Milton Corrêa da Costa
Os impressionantes dados mostrados pelo Mapa da Violência precisam ser objeto de reflexão e análise. No Brasil, nos últimos 30 anos, matou-se mais do que em muitos conflitos armados duradouros. Enquanto a disputa religiosa entre Israel e Palestina, entre 1947 e 2000, foi marcado pela morte de 125 mil pessoas e a guerra civil da Guatemala, durante 24 anos, deixou um rastro de 400 mil mortes, no Brasil, nos últimos 30 anos, 1.091.125 pessoas foram vítimas de homicídio, numa média de 4 brasileiros assassinados por hora, sem contar os milhares de desaparecidos sem que se saiba, referentemente aos que morreram, qual a causa-mortis.
A meu ver, numa análise estrutural e conjuntural do quadro da violência no Brasil são as seguintes as principais causas determinantes de tamanha tragédia:
1 – Os resquícios históricos, provenientes principalmente das regiões Norte e Nordeste, da antiga premissa da “lei do mais forte”, cultivada pelos chamados ‘Coronéis do Sertão’ e seus capangas, onde a presença da autoridade policial, do poder judiciário e do poder público em geral ainda são incipientes até hoje em muitas localidades longínquas;
2 – os resquícios de um período de exceção no país (pós 1964), gerando a violência de Estado para combater a luta armada, perpetrada por militantes de esquerda, que alicerçados na cultura marxista-leninista, tinham como finalidade implantar o regime comunista no país pela tomada ilegal do poder;
3 – ênfase maior, nas décadas de 60, 70 e 80, no combate das forças de segurança ao crime político, mormente em ações contra-guerrilha;
4 - crescimento, sem que os órgãos de informações da época, tivessem observado, da violência do crime comum, com o surgimento da doutrina do narcoterrorismo, com a criação da primeira facção criminosa do gênero, instalada em morros e favelas do Rio, proveniente do encontro, no Presídio da Ilha Grande, de criminosos políticos e criminosos comuns, com a difusão dos assaltos a banco como forma de captação de recursos para montagem da estrutura dos arsenais do tráfico;
5 - início, na década de 80, do crescimento do contrabando de armas e do tráfico de drogas, através de nossas vulneráveis fronteiras, mormente provenientes do Paraguai e da Colômbia;
6 – a exclusão social empurrando jovens para a marginalidade, mormente nas décadas de 80 e 90;
7 - a arregimentação de menores (inimputáveis), em morros e favelas do Rio, na hierarquia do tráfico;
8 – a obsolescência da idade inicial de responsabilização penal pelo critério biológico (idade de 18 anos), ultrapassado no mundo onde países mais evoluídos no tema adotam hoje o critério psicossocial, face o avanço tecnológico e de informações no mundo atual à disposição dos jovens;
9 – a obsolescência do Código Penal Brasileiro ante a evolução das práticas criminosas, mormente nos crimes contra a vida com o emprego de armas de guerra, onde as penas são consideradas brandas face a brutalidade dos crimes;
10 – as brechas da legislação penal brasileira com a implantação das progressões de regime carcerário e redução de penas, sem o devido exame criminológico de grau de ressocialização do apenado;
11 - a carência de casas de custódia, presídios e penitenciárias no país, criando os abarrotados “depósitos subhumanos de presos”, onde a ressocialização é em grau mínimo (numa média de 90 dias, 85% dos apenados, postos em liberdade, retornam ao cárcere pela prática de novo crime);
12 - não cumprimento de milhares de mandados de prisão por falta absoluta de estrutura, no sistema penitenciário brasileiro, para alocar mais e mais presos;
13 – morosidade nas decisões do Poder Judiciário pela falta de estrutura de pessoal para acelerar procedimentos jurídicos o que acaba gerando um sentimento de certa impunidade inclusive com prescrição de prazos processuais;
14 – o grau acentuado da letalidade nas intervenções policiais que ainda privilegia o uso da força excessiva em detrimento da seletividade da ação (há que se entender que “quanto maior a seletividade da intervenção policial menor o emprego da força”);
15 - a difusão e aumento do consumo de drogas pelos jovens, inclusive no uso excessivo do álcool, droga considerada lícita, cuja massificação da propaganda midiática o apresenta como algo prazeroso;
16 – aumento assustador do consumo do ‘crack’, a chamada ‘droga da morte’, com a difusão das cracolândias em boa parte das cidades brasileiras;
17 – influência do cinema nos mais jovens na abordagem de temas envolvendo violência tipo as séries ‘Duro de Matar’ e ‘Jogos Mortais’;
18 – influência nos mais jovens pela difusão de jogos eletrônicos voltados para guerras e destruição humana, onde a cultura da violência, na tecnologia, também retrata a violência real do cotidiano;
19 – a falsa crença de que arma é um necessário instrumento de defesa pessoal em qualquer situação (cultura armamentista); e finalmente,
20 – o envolvimento e contaminação do aparelho policial com o crime, com a corrupção, com atrocidades e abuso de poder.
TRIBUNA DA INTERNET