Um jornalista destacado da região russa do norte do Cáucaso, marcada pela violência, foi morto a tiros na noite de quinta-feira quando deixava a sede de seu jornal, somando seu nome a uma lista sempre crescente de jornalistas e ativistas de direitos humanos mortos na região nos últimos anos.
Khadzhimurad Kamalov, 46, era o fundador do popular jornal "Chernovik", que investigava e cobria temas explosivos como abusos policiais, corrupção e extremismo islâmico no Daguestão, uma região de maioria muçulmana que é vizinha da Tchetchênia.
Kamalov tinha acabado de sair da redação do "Chernovik", um pouco antes da meia-noite da quinta-feira, quando um pistoleiro solitário abriu fogo com um revólver, segundo o boletim da polícia.
O editor-chefe do jornal, Biyakai Magomedov, testemunhou o crime e contou à emissora russa NTV: "Quando o atirador disparou, Khadzimurad caiu e o atirador começou a disparar mais vezes. Khadzhimurad cobriu a cabeça com as mãos, aparentemente tentando protegê-la. Ele era um homem tão destemido que, mesmo ferido, conseguiu agarrar o homem pelo pé".
A polícia disse que está à procura do atirador, que fugiu. Kamalov sofreu ferimentos múltiplos de bala e morreu a caminho do hospital.
Pessoas que conheciam Kamalov e seu trabalho disseram que sua morte não as pegou de surpresa. Os esforços do jornal para trazer à tona corrupção oficial, especialmente na polícia, lhe valeram muitos inimigos influentes, segundo pessoas familiarizadas com o jornal. Kamalov também foi acusado de simpatizar com radicais islâmicos, depois de entrevistas com líderes militantes terem sido publicadas no "Chernovik".
De acordo com a Caucasian Knot, uma agência de notícias online que cobre o norte do Cáucaso, em 2009 o nome de Kamalov apareceu numa lista de alegados militantes e cúmplices deles acusados de envolvimento nas mortes de policiais e civis pacíficos na violência insurgente no Daguestão. Os autores anônimos da lista juraram "destruir esses chacais".
Kamalov sempre negou qualquer envolvimento com extremistas.
"O 'Chernovik' escrevia sobre tudo e todos", disse na rádio "Ekho Moskvy" uma jornalista investigativa destacada, Yulia Latynina. "Numa região em que matam você por qualquer palavra, o que aconteceu, lamentavelmente, não foi inesperado".
O Comitê para a Proteção de Jornalistas, sediado em Nova York, condenou o crime, descrevendo-o como "golpe letal contra a liberdade de imprensa".
"O assassinato de Khadzhimurad Kamalov é uma enorme tragédia para o jornalismo independente no norte do Cáucaso, o lugar mais perigoso da Rússia para repórteres", disse em comunicado à imprensa a coordenadora para a Europa e Ásia central da organização, Nina Ognianova.
O norte do Cáucaso é palco de uma insurgência islâmica que fervilha há anos e que as autoridades ainda não conseguiram extinguir. Jornalistas e ativistas dos direitos humanos frequentemente se envolvem no conflito, fato que os torna alvos frequentes de violência. Tanya Lokshina, especialista no norte do Cáucaso junto à organização Human Rights Watch, disse que os riscos são agravados pelo fato de as autoridades não investigarem esses crimes a fundo.
"É desnecessário dizer que o ambiente de impunidade total nas matanças de jornalistas e ativistas públicos no norte do Cáucaso exerceu um papel enorme aqui", disse Lokshina, falando da morte de Kamalov. "Quem cometeu esse crime tinha a certeza de não ser punido".
Magomedov, o editor-chefe do "Chernovik", disse que o assassinato de Kamalov transmite uma mensagem inequívoca. "Acho que esse assassinato foi cometido diante de nossa redação com a intenção expressa de nos meter medo".
THE NEW YORK TIMES/FOLHA