sábado, 17 de dezembro de 2011

Papai Noel existe


- Moço, dá um trocado.

- Dou se você me contar no que vai gastar.

- É pra comprar comida pro meu irmão pequeno.

- É nada, não mente que é pecado. Quem mente vai pro inferno.

- Vai nada.

- Vai sim. E também não ganha presente do Papai Noel...

- Papai Noel não existe...

- Claro que existe.

- Então porque ele nunca me dá o que eu peço?

- Talvez porque você tenha mentido muito...

- Mas foi só umas mentirinhas que eu disse, moço!

- Mentira não tem tamanho, mentira é mentira, oras... O que é uma mentirinha pra você?

- Dizer que o dinheiro é pra comprar comida pro meu irmão...

- Ó, tá vendo, não disse que era mentira.
- Mentirinha...

- O que você ia fazer com o dinheiro?

- Juntar pra comprar um brinquedo pra mim...

- Mas e seu irmão?

- Eu não tenho irmão. Quer dizer, tinha mas sumiu...

- Tem pai e mãe?

- Pai eu não sei, mas a minha mãe tá lá na cracolândia, ela é nóia, sabe?

- Não sei não, o que é isso?

- Ela fuma crack e fica doidona, com o olho virado e falando coisa esquisita. Nóia.

- Ela te bate?

- Não, eu fujo e ela não me alcança. Ela quer o meu dinheiro.

- Pra comprar crack?

- É. Mas eu não dou, vou comprar aquele carrinho de bombeiro com a luz que fica piscando e que bate e vira, sabe qual é?

- Sei não. Quanto custa?

- Vinte real ali no camelô.

- E você já tem quanto?

- Dez...

- Até o Natal você consegue juntar o resto...

- Tá difícil, moço, porque eu também tenho que dar um dinheiro pra minha vó e tenho que comprar refrigerante e doce pra matar a fome quando não pinta comida na rua.

- Mas se você não mentir mais, quem sabe o Papai Noel te ajuda a juntar a grana.

- Ajuda nada, nunca ajudou.

- Não?

- Eu sempre pedia presente pra ele e nunca ganhei. Já pedi casa, bicicleta, tênis novo... Desisti.

- Desiste não, vai. Se a gente não tiver fé que as coisas boas vão acontecer, elas não acontecem.

- Quem vive na rua não acredita nisso, moço...

- Se eu te der uma grana você muda de ideia?

- Quanto?

- Um real...

- Ah, com um real não dá pra acreditar mesmo em Papai Noel, né?

- E se eu te der os dez reais que estão faltando?

- Ah, aí eu acredito, acredito, acredito!

- Acredita nada...

- Acredito sim, moço, dá aí, vai! Olha só, vou gritar para todo mundo ouvir: Papai Noel existe, Papai Noel existe, Papai Noel existe!

- Para de gritar feito louco, senão vão achar que você é nóia!

- Já parei, moço, já parei. Agora me dá?

- Tá bom, toma aí os dez reais.

- Oba!

- Agora você vai lá comprar o carrinho?

- Huumm, moço, o senhor disse que eu não posso mentir, certo?

- Certo.

- Então eu vou falar: vou levar estes dez real pra minha vó.

- Mas e o brinquedo?!

- Ué, agora que o Papai Noel existe de novo ele vai me ajudar, e até o Natal eu consigo o dinheiro que falta para comprar o carrinho, né?
- Tomara, garoto, tomara...

Luiz Caversan
Luiz Caversan é jornalista e consultor na área de comunicação corporativa. Foi repórter especial, diretor da sucursal do Rio da Folha, editor dos cadernos "Cotidiano", "Ilustrada" e "Dinheiro", entre outros. Escreve aos sábados para a Folha.com.
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