- Moço, dá um trocado.
- Dou se você me contar no que vai gastar.
- É pra comprar comida pro meu irmão pequeno.
- É nada, não mente que é pecado. Quem mente vai pro inferno.
- Vai nada.
- Vai sim. E também não ganha presente do Papai Noel...
- Papai Noel não existe...
- Claro que existe.
- Então porque ele nunca me dá o que eu peço?
- Talvez porque você tenha mentido muito...
- Mas foi só umas mentirinhas que eu disse, moço!
- Mentira não tem tamanho, mentira é mentira, oras... O que é uma mentirinha pra você?
- Dizer que o dinheiro é pra comprar comida pro meu irmão...
- Ó, tá vendo, não disse que era mentira.
- Mentirinha...
- O que você ia fazer com o dinheiro?
- Juntar pra comprar um brinquedo pra mim...
- Mas e seu irmão?
- Eu não tenho irmão. Quer dizer, tinha mas sumiu...
- Tem pai e mãe?
- Pai eu não sei, mas a minha mãe tá lá na cracolândia, ela é nóia, sabe?
- Não sei não, o que é isso?
- Ela fuma crack e fica doidona, com o olho virado e falando coisa esquisita. Nóia.
- Ela te bate?
- Não, eu fujo e ela não me alcança. Ela quer o meu dinheiro.
- Pra comprar crack?
- É. Mas eu não dou, vou comprar aquele carrinho de bombeiro com a luz que fica piscando e que bate e vira, sabe qual é?
- Sei não. Quanto custa?
- Vinte real ali no camelô.
- E você já tem quanto?
- Dez...
- Até o Natal você consegue juntar o resto...
- Tá difícil, moço, porque eu também tenho que dar um dinheiro pra minha vó e tenho que comprar refrigerante e doce pra matar a fome quando não pinta comida na rua.
- Mas se você não mentir mais, quem sabe o Papai Noel te ajuda a juntar a grana.
- Ajuda nada, nunca ajudou.
- Não?
- Eu sempre pedia presente pra ele e nunca ganhei. Já pedi casa, bicicleta, tênis novo... Desisti.
- Desiste não, vai. Se a gente não tiver fé que as coisas boas vão acontecer, elas não acontecem.
- Quem vive na rua não acredita nisso, moço...
- Se eu te der uma grana você muda de ideia?
- Quanto?
- Um real...
- Ah, com um real não dá pra acreditar mesmo em Papai Noel, né?
- E se eu te der os dez reais que estão faltando?
- Ah, aí eu acredito, acredito, acredito!
- Acredita nada...
- Acredito sim, moço, dá aí, vai! Olha só, vou gritar para todo mundo ouvir: Papai Noel existe, Papai Noel existe, Papai Noel existe!
- Para de gritar feito louco, senão vão achar que você é nóia!
- Já parei, moço, já parei. Agora me dá?
- Tá bom, toma aí os dez reais.
- Oba!
- Agora você vai lá comprar o carrinho?
- Huumm, moço, o senhor disse que eu não posso mentir, certo?
- Certo.
- Então eu vou falar: vou levar estes dez real pra minha vó.
- Mas e o brinquedo?!
- Ué, agora que o Papai Noel existe de novo ele vai me ajudar, e até o Natal eu consigo o dinheiro que falta para comprar o carrinho, né?
- Tomara, garoto, tomara...
Luiz Caversan é jornalista e consultor na área de comunicação corporativa. Foi repórter especial, diretor da sucursal do Rio da Folha, editor dos cadernos "Cotidiano", "Ilustrada" e "Dinheiro", entre outros. Escreve aos sábados para a Folha.com.
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