quinta-feira, 15 de novembro de 2012

EDITORIAL # Nova guarda em Pequim


A coreografada sucessão chinesa chega hoje ao seu grand finale, quando os 2.300 delegados ao 18º Congresso do Partido Comunista Chinês (PCC) se erguerão de uma só vez de seus assentos no Grande Salão do Povo, em Pequim, para aplaudir em uníssono o novo líder máximo da agremiação, Xi Jinping, de 59 anos. Em março do próximo ano, cumprido o ritual de ratificação de seu nome pela Assembleia Nacional dos Representantes do Povo, o obediente Parlamento do regime, ele assumirá a chefia do governo para um mandato de cinco anos renováveis por outro tanto. Nesse rígido sistema, nada é deixado ao acaso ou a improvisos de última hora. Xi foi escolhido em 2007 para substituir o atual presidente Hu Jintao, de quem é vice, o qual havia tomado posse quatro anos antes. Por trás da ascensão de ambos está Jiang Zemin, ainda poderoso aos 86 anos. Ele, por sua vez, havia sido alçado, na esteira do massacre da Praça da Paz Celestial, em 1989, pelo sucessor de Mao e legendário reformador da economia nacional, Deng Xiaoping, falecido em 1997. Deng também patrocinou a carreira de Hu.
Jiang foi o último dirigente da República Popular com suficiente luz própria para impor aos saudosos do maoismo o estreitamento das relações com o Ocidente e o ingresso do país na Organização Mundial do Comércio. Desde então, prevalece a regra da liderança coletiva, em que a autoridade do líder na tomada de decisões está sujeita ao consenso na mais alta instância do partido, o Comitê Permanente do seu Burô Político, de 25 membros. Abaixo dele, no modelo hierárquico importado da antiga União Soviética, vem o Comitê Central, integrado por 371 quadros. (O PCC tem cerca de 80 milhões de membros, ou 6% da população) Hoje se saberá se o Comitê Permanente perderá dois integrantes, ficando com sete, como se especula. Se a redução se consumar, a influência dessa elite evidentemente aumentará. Dela são membros naturais o presidente e o primeiro-ministro. O atual, Wen Jiabao, também será substituído por seu vice, Li Keqiang, de 57 anos. O sistema colegiado facilita o controle dos conflitos entre facções, mas é um fator de imobilismo.
A liberalização política simplesmente não está no horizonte chinês. Durante o congresso do PCC, o regime não hesitou em se expor ao ridículo ao proibir os taxistas de Pequim de transportar pessoas que carregassem balões - poderiam conter inscrições de protesto - ou de circular com os vidros abertos: afinal, sabe-se lá que palavra de ordem "burguesa" o passageiro poderia ser tentado a gritar. Mais convencional foi a retaliação ao The New York Times e à agência de notícias Bloomberg, cujos repórteres foram excluídos da cobertura da apresentação do novo Comitê Permanente. O jornal revelou recentemente que, em pouco mais de uma década, a família do premiê Wen acumulou uma fortuna de US$ 2,7 bilhões. A agência fez algo pior: relatou os diversificados interesses - de mineração de terras raras ao setor de telecomunicações - da família de Xi Jinping. A liderança chinesa tem diante de si um desafio comparável à da quadratura do círculo: combater a endêmica corrupção no governo sem ceder às demandas por abertura e transparência nos negócios públicos.
A nova classe dirigente, por sinal, é a primeira, na China comunista, que não se fez por si só no aparato partidário. Sua ascensão se deve aos familiares que integravam a velha guarda revolucionária. Daí serem chamados "principezinhos", em um reconhecimento tácito do papel cada vez mais importante do nepotismo na estrutura do PCC, Forças Armadas e principais conglomerados econômicos. Xi, para começar, descende de um companheiro de Mao nos "anos heróicos" - comissário político no Exército e governador provincial, entre outras coisas. "O país é governado por umas poucas famílias", assegura o historiador Zhang Lifan, ouvido pelo The New York Times. Os "principezinhos" não têm por que serem reformistas. "O partido não quer trilhar um caminho alternativo", disse à correspondente do Estado em Pequim, Cláudia Trevisan, o cientista político Wu Qiang, da respeitada Universidade Tsinghua (onde Hu se formou). "O autoritarismo ficará mais poderoso".
ESTADÃO