domingo, 15 de setembro de 2013

Marco Aurélio Mello: credibilidade do STF está ‘à beira do precipício’

BRASÍLIA. Um dos cinco votos contrários à aceitação dos embargos infringentes, que poderão prolongar por tempo indeterminado o julgamento do mensalão, o ministro Marco Aurélio Mello faz um alerta aos colegas do Supremo Tribunal Federal (STF): é a própria credibilidade da Corte que está em risco.

O senhor acredita que a credibilidade do STF será afetada se os embargos infringentes forem aceitos?

É uma responsabilidade enorme para o ministro Celso de Mello. É uma matéria que eu não tenho dúvida sobre a revogação do Regimento Interno. Mas, pelo visto, como tem cinco votos a cinco, é uma matéria polêmica. O tribunal, em termos de perda de credibilidade, está à beira do precipício. Para citar John Steinbeck (autor americano), quando uma luz se apaga, fica muito mais escuro do que se nunca tivesse brilhado. A sociedade começou a acreditar no STF e agora, com essa virada no horizonte de se rejulgar, há decepção.

O senhor teme que as pessoas tomem as ruas para protestar contra o tribunal?

As pessoas podem ficar decepcionadas, e isso pode levar a atos. A sociedade pode se manifestar, porque mostrou que não está apática. A manifestação pacífica é bem-vinda, é inerente à cidadania.

Um novo julgamento de réus do mensalão pode gerar sentimento de impunidade na sociedade?

A leitura que o leigo faz é péssima, de que realmente o forno está acesso.
O julgamento de um mesmo réu com a formação diferente da Corte é prejudicial?
Prejuízo não tem, são capítulos distintos (do processo). Num colegiado prevalece o entendimento da maioria. O colegiado é um órgão democrático por excelência.

Como a composição do tribunal é outra, o senhor acredita em resultado diferente se houver novos julgamentos?

Será que, se a composição do tribunal fosse a mesma (do ano passado), haveria tanta ênfase por parte da defesa no julgamento desses embargos? Não deveria ser assim. É claro que é possível evoluir. Agora mesmo, mudamos a concepção de o Judiciário cassar mandato no caso do senador Ivo Cassol. Mas mudar muito (a jurisprudência) gera insegurança, e a segurança tem que ser buscada.

Se o STF aceitar os embargos infringentes, estará mudando a jurisprudência?

Não, é a primeira vez que definimos o tema em processo penal de competência originária.
Como os infringentes não estão previstos no STJ, haverá distorção no sistema jurídico com uma decisão favorável do Supremo?

É um contrassenso, considerados os demais tribunais. O STJ, por exemplo, julga governador e não cabem embargos infringentes. O Tribunal de Justiça julga prefeito, e não cabem embargos infringentes. O Tribunal Regional Federal julga juízes federais, e não cabem infringentes. Mas cabe no Supremo. É interessante. O sistema não fecha. O Tribunal do Júri pode condenar por quatro votos a três, e não há revisão.

Um julgamento apertado deixa margem de dúvida quanto à culpa do réu?

A divergência qualifica o julgamento. Esses acusados deveriam se sentir muito satisfeitos, porque as teses que veicularam ganharam quatro votos. E os outros que tiveram zero? Com escore apertado, o julgamento fica mais aprofundado.

O senhor se incomoda com os embates em plenário?

Eu estou muito acostumado com a divergência. Aqui em casa mesmo, minha mulher é Fluminense, e eu sou Flamengo. A divergência para mim é salutar.

Com a aceitação dos embargos infringentes, há risco de prescrição dos crimes?

Não, não sei de onde estão tirando isso. Com o acórdão proferido na ação penal, ocorre a interrupção da prescrição e volta-se à estaca zero na contagem do prazo. Seria necessário passar vários anos para ocorrer prescrição. Não acredito que o novo relator demore tanto para levar o processo a julgamento.

O senhor gostaria de ser sorteado novo relator do mensalão, nessa nova fase, caso os embargos sejam aceitos?

Brinquei com os colegas ontem no lanche que devíamos restringir a distribuição somente à corrente majoritária. Chega! Hoje estou muito cansado e tenho mais de 200 processos na fila para julgar. Se não, quando me aposentar, vou para casa em definitivo e não vai dar tempo de julgar.

O GLOBO