As ameaças que os EUA estão fazendo de atacar a Síria, citando novas provas de que seu presidente, Bashar al-Assad, usou gás sarin contra seu próprio povo, colocam o governo da China diante de um novo dilema.
Durante décadas, o princípio primordial da política externa chinesa foi não interferir nos assuntos de Estados soberanos. Essa postura levou a uma série de conflitos diplomáticos no Oriente Médio, já que as autoridades de política externa preferem apostar nos regimes existentes, mesmo quando eles perdem o apoio da população.
Desde Moammar Kadafi, o megalomaníaco ex-governante líbio, até Hosni Mubarak, no Egito, os líderes chineses apoiaram os ditadores do Oriente Médio até bem depois que atrocidades contra seu próprio povo ajudaram a derrubar seus governos.
Mudanças de regime sob qualquer circunstância — mesmo, como no caso da Síria, o suposto uso de gás sarin — deixam os líderes chineses nervosos.
Sua aversão a derrubar líderes de governo vem em parte da profunda insegurança que sentem quanto à sua própria legitimidade política, num país onde agitações sociais vivem fermentando sobre problemas como poluição e direitos à terra.
Se os países ocidentais decidirem intervir para derrubar os governos antidemocráticos do Oriente Médio, raciocinam os líderes chineses, o que os impedirá de um dia tentar derrubar o governo comunista da China?
É verdade que os problemas que a China tem não são nem de perto parecidos com os que afligem os governos de países do Oriente Médio, como o Egito. As questões chinesas derivam de um crescimento econômico que foi talvez rápido demais e desigual, não lento. Ao contrário de muitos países do Oriente Médio, a China logrou vitórias expressivas na luta contra a pobreza. Sua economia cria empregos e oportunidades em abundância.
Ainda assim, o aparato de segurança da China reagiu com uma força exagerada dois anos atrás nas ruas de Pequim, em resposta a convocações on-line para manifestações de apoio à "Revolução de Jasmim", inspirada na Primavera Árabe. Os protestos nunca se concretizaram.
De um modo mais geral, os conflitos no Oriente Médio destacaram para a China a realidade de que ainda há uma única superpotência no mundo hoje: os Estados Unidos.
No livro "China Goes Global" ("A China se torna global", em tradução livre), David Shambaugh, acadêmico especializado na China da Universidade George Washington, escreve: "Superpotências reais moldam os eventos e produzem os resultados. A China, ao contrário, adota repetidamente uma postura passiva e discreta em sua diplomacia".
A China não tem bases militares nem tropas no Oriente Médio. Provavelmente ainda vai levar anos até que a o país exerça um poder sustentável além de suas fronteiras imediatas no leste asiático, onde ela está fazendo frente à dominação americana com submarinos e mísseis balísticos, e se desenvolvendo na guerra espacial e cibernética.
Ao mesmo tempo, a China tem um interesse crescente no Oriente Médio. Ela investiu pesadamente em campos de petróleo no Iraque e em imensos projetos de construção na Arábia Saudita e no Golfo Pérsico. Suas estatais enviaram dezenas de milhares de engenheiros, geólogos e operários para trabalhar nesses projetos.
Ironicamente, a falta de alcance estratégico da China no Oriente Médio é agravada por um desafio que está causando uma reviravolta na balança de poder da região: enquanto os EUA estão cada vez menos dependentes de petróleo importado, inclusive do Oriente Médio, a dependência da China está aumentando.
Neste ano, a China vai ultrapassar os EUA como o maior importador líquido de petróleo numa base mensal, segundo o Departamento de Energia americano.
A diferença vai crescer à medida que a produção de petróleo e gás de xisto nos EUA aumenta. Enquanto isso, uma China industrializada vai consumir combustível em grandes quantidades e, embora o país esteja buscando novas fontes na África e na América Latina, o Oriente Médio continuará sendo um fornecedor crucial.
Está cada vez mais claro que ter escolhido ficar do lado errado na região saiu caro para a China. As relações do governo chinês com os regimes populistas que emanaram das agitações que varreram o Oriente Médio se complicaram, colocando em risco as perspectivas das empresas chinesas de petróleo e engenharia.
Mais amplamente, dizem diplomatas ocidentais e analistas políticos, o apoio instintivo da China ao status quo deixou o país sem ação diante da rapidez com que os eventos se desenrolaram. Crise após crise, a China reagiu a iniciativas dos EUA e outras potências europeias, apesar de suas aspirações de ser vista em pé de igualdade com os EUA.
Por exemplo, o governo chinês ficou furioso quando seu apoio a uma ação limitada da Otan, a Organização do Tratado do Atlântico Norte, na Líbia — um raro exemplo no qual o país comprometeu seu princípios de não-intervenção —, se transformou em um grande ataque ao clã de Kadafi. Isso pode ter endurecido as respostas de Pequim sobre a Síria, dizem diplomatas.
Além disso, a China usou três vezes seu poder de veto na ONU para bloquear tentativas de isolar o regime de Assad, mesmo enquanto uma guerra civil que já dura mais de dois anos arrasa o país. Os chineses se uniram à Rússia para impedir a forte intenção aliada.
Até agora, a crise mais recente não tem deixado os chineses tão isolados como ocorreu em outras situações no passado. Com exceção da França, nenhum país europeu se apresentou inequivocamente a favor dos ataques militares.
Ainda assim, os mesmos reflexos são claros. Ontem, o porta-voz do Ministério de Relações Exteriores da China disse que a o país "observou" as provas apresentadas pelos EUA, embora não tenha dado nenhuma avaliação a respeito. "A China se opõe ao uso de armas químicas por qualquer um e apoia a abertura de uma investigação independente, justa, objetiva e profissional pela ONU", disse o porta-voz Hong Lei, em uma coletiva de imprensa.
Ele acrescentou que a China "sempre considera uma solução política como a única solução realista para a questão da Síria. Estamos profundamente preocupados que alguns países possam tomar ações militares de forma unilateral".
A agência de notícias oficial Xinhua afirmou que a obsessão do presidente dos EUA, Barack Obama, com opções militares "levará a América a extraviar-se".
À medida que o governo de Obama tenta angariar o apoio do Congresso para um ataque à Síria, a China tem ampliado suficientemente seu poder para que os EUA prestem atenção a essas preocupações, mas não se tornou tão forte a ponto de afetar o resultado.
A China, escreve Shambaugh, "não define a diplomacia internacional, não conduz políticas de outros países, não forja um consenso global ou resolve problemas".
WSJ AMERICAS