Fernando Canzian
Folha
A imagem para o problema é a melhor possível: a inflação é como pasta
de dente. É muito fácil tirá-la do tubo e permitir que ela vaze até
mesmo sem querer, lambuzando tudo. O difícil mesmo é colocá-la de volta.
Entre as barbeiragens cometidas pela presidente Dilma Rousseff em seu
primeiro mandato, permitir o descontrole inflacionário talvez tenha
sido a pior delas. A taxa de 8,13% em março (no acumulado em 12 meses) é
uma façanha em um país que estagnou no ano passado e que embica para
uma de suas mais sérias recessões neste 2015.
Em países “normais” os preços permanecem sob controle quando o
crescimento é baixo, pois empresários não têm espaço para grandes
reajustes. No Brasil, essa lógica não estava valendo por alguns motivos:
temos uma produtividade baixíssima (menos de 20% da de um trabalhador
americano) e uma memória inflacionária terrível, que permite uma
indexação (reajustes quase automáticos de preços) geral na economia.
BAIXA PRODUTIVIDADE
Como vivíamos uma situação de desemprego muito baixo até o início
desse ano, a baixa produtividade levava empresários e dar reajustes de
salários iguais ou superiores à inflação para não perder funcionários.
Isso permitia que na ponta do consumo bens e serviços fossem reajustados
na mesma velocidade.
O quadro se agravou neste início de 2015 por conta, principalmente,
do reajuste da energia, que respondeu por mais da metade da inflação de
março. Vivemos em uma sociedade “elétrica”, e isso terá impactos sobre
todos os preços por muitos meses.
Um parêntese: Só o desejo de reeleição explica que Dilma
(“especialista” em energia) tenha represado as contas de luz em um
momento em que os reservatórios baixavam perigosamente e as elétricas
reclamavam de falta de dinheiro para investimentos. Agora, somos
obrigados a um forte reajuste de uma vez.
O JOGO VIROU
Como o Brasil é um país de gente pobre (67% das famílias ganham menos
do que R$ 2.170/mês) tirar quase 10% do rendimento em um ano via
inflação é uma enormidade. Isso não vinha acontecendo porque a taxa de
desemprego estava baixa, permitindo reajustes de salários. Mas o jogo já
virou.
Em fevereiro vimos o desemprego saltar rapidamente de 5,3% (em
janeiro) para 5,9%. A taxa de março deve vir feia, um mau presságio para
o resto do ano. Será o fim do único ponto relativamente brilhante que
restava na economia.
A partir de agora, passaremos a conviver com uma inflação ainda muito
elevada por muitos meses, apesar de uma forte recessão. E com
desemprego em alta, sem chances de os salários correrem atrás dos
preços.
Tribuna da Internet