Thiago Bronzatto e Filipe Coutinho
Época
Época
Em 3 de dezembro de 2010, a petista Dilma Rousseff, eleita havia
poucas semanas para seu primeiro mandato como presidente da República,
mandou anunciar o nome do ministro mais poderoso de seu governo. Dali a
dias, Antonio Palocci – ex-ministro da Fazenda, ex-deputado federal,
ex-prefeito de Ribeirão Preto e hoje alvo ilustre da Operação Lava Jato –
assumiria a chefia da Casa Civil. Era a improvável ressurreição
política de Palocci, ceifado do governo Lula anos antes, quando, após
resistir a toda sorte de acusações de corrupção, acabou por não resistir
ao escândalo da quebra dos sigilos do caseiro Francenildo. Perdeu o
cargo, mas não a influência.
Palocci ressurgiu na eleição de Dilma. Coordenou a campanha e atuou
como arrecadador informal da petista, ao lado do tesoureiro do PT, João
Vaccari, hoje preso. A nomeação para a Casa Civil, na qual sucederia a
Erenice Guerra, premiava seus bons serviços na campanha. Nas palavras de
Dilma, Palocci fora “um dos artífices da jornada vitoriosa” que a
elegera. Estava claro quem mandaria em Brasília no terceiro mandato
petista.
No mesmo dia do anúncio, Palocci recebeu R$ 1 milhão do escritório do
criminalista Márcio Thomaz Bastos, segundo documentos da empresa do
petista, em poder do Ministério Público Federal (MPF) e obtidos por
Época. MTB, como era conhecido o advogado, morreu no ano passado. Em
2010, após uma longa passagem pelo Ministério da Justiça do governo
Lula, na qual fez muitas tabelinhas com Palocci, resistia como principal
conselheiro jurídico da cúpula do PT.
SEM CONTRATOS
O dinheiro foi repassado sem que houvesse sequer contrato formal. Era
um contrato de boca. Duas semanas depois, Palocci recebeu mais R$ 1
milhão de MTB. Os R$ 2 milhões somavam-se aos R$ 3,5 milhões repassados
durante a campanha e a pré-campanha de Dilma. No total, 11 pagamentos.
Sempre sem contrato. Sempre em valores redondos – R$ 500 mil, no auge
das eleições, e R$ 250 mil, antes. Sempre depositados, segundo o próprio
Palocci, na conta da Projeto, a empresa de consultoria criada por ele
após deixar o governo Lula.
No dia em que foi anunciado como ministro de Dilma, Palocci recebeu R$ 1 milhão em sua consultoria.
Qual a origem do dinheiro? O Pão de Açúcar, dizem os advogados de
Palocci e do escritório de MTB. Por que o Pão de Açúcar pagaria uma
pequena fortuna a Palocci? Para que o petista, um médico sanitarista que
passava aqueles dias de 2010 na intensa faina de uma campanha
presidencial, ajudasse na fusão entre o grupo de Abilio Diniz e as Casas
Bahia. Não se sabe como Palocci poderia ser tão valioso numa negociação
dessa natureza – nem por qual razão o Pão de Açúcar não o contratara
diretamente. Mas ele prestou algum serviço?
A renomada consultoria Estáter, contratada de forma exclusiva pelo
Pão de Açúcar para tocar a fusão, informou ao MPF que, por óbvio, não –
Palocci não prestou qualquer serviço, o que despertou suspeitas entre os
investigadores. Fontes que participaram das negociações confirmaram a
ÉPOCA que Palocci não participou de qualquer reunião, conversa informal
ou troca de e-mails durante o negócio.
CONTRATO INFORMAL
Em ofício ao MPF, o Pão de Açúcar disse que “em função da relação de
confiança desenvolvida” é comum que os “serviços de assessoria jurídica
sejam contratados de modo mais informal”. Palocci não é advogado.
Procurado por ÉPOCA, o Pão de Açúcar informou que não vai se pronunciar.
Palocci não tardou a cair novamente. Pouco após assumir a Casa Civil,
o jornal Folha de S.Paulo revelou que ele comprara um apartamento
avaliado em R$ 6,6 milhões, antes de voltar a Brasília.
Palocci, que não
tem herança e sempre foi político, se recusou a explicar a origem do
dinheiro. Disse apenas que provinha dos clientes que contratavam a
Projeto, sua empresa de consultoria. Preferiu deixar a Casa Civil a
revelar os nomes deles – e a declinar para que fora exatamente
contratado.
Agora, Época teve acesso a documentos internos da empresa de Palocci,
a uma investigação sigilosa do MPF sobre ela e a uma lista com 30 nomes
de empresas que pagaram o ex-ministro. Os papéis oficiais, assim como a
investigação dos procuradores, revelam que a prosperidade da empresa de
Palocci coincidiu com o momento em que ele assumiu as tarefas de
coordenar a campanha de Dilma – e de arrecadar para ela.
PAGAMENTOS SUSPEITOS
Em 2010, Palocci recebeu, ao menos, R$ 12 milhões em pagamentos
considerados suspeitos pelo MPF. Além dos pagamentos do escritório de
Márcio Thomaz Bastos, supostamente em nome do Pão de Açúcar, os
procuradores avaliaram como suspeitos os pagamentos do frigorífico JBS e
da concessionária Caoa. Eles somam R$ 6,5 milhões. São suspeitos
porque, na visão do MPF, Palocci, mesmo depois de ouvido, não conseguiu
comprovar que prestou serviços às empresas – ou foi desmentido por quem
estava envolvido, como no caso da consultoria Estáter e do Pão de
Açúcar.
Ademais, para o MPF, a inexistência de contratos para muitos dos
pagamentos reforça os indícios de que as consultorias foram, na verdade,
de fachada. Por que grandes empresas gastaram tanto com Palocci? E qual
o destino final do dinheiro? Ninguém sabe ainda.
LAVA JATO
A investigação à qual Época teve acesso corre em Brasília, mas será
requisitada por procuradores que trabalham nos dois maiores casos de
corrupção sob investigação no país: a Lava Jato. No petrolão, a
Procuradoria-Geral da República abriu inquérito para apurar a acusação
de que o petista arrecadou R$ 2 milhões – para a mesma campanha de Dilma
em 2010. A denúncia foi feita pelo delator Paulo Roberto Costa,
ex-diretor de Abastecimento da Petrobras.
Como Palocci não tem foro privilegiado, o processo contra ele corre
no Paraná, sob a guarda do juiz Sergio Moro. Com base no trabalho dos
procuradores de Brasília, a Força-Tarefa de Curitiba espera avançar mais
rapidamente no rastro do dinheiro que circulou pelas contas associadas
ao ex-ministro. Eles preparam o pedido de quebra dos sigilos de Palocci,
entre outras medidas.
DIRCEU E VACCARI
Com o avanço em Palocci, que também está sob investigação em outras
frentes da Lava Jato, a Força-Tarefa do Paraná atinge a tríade
responsável pela arrecadação de dinheiro no PT desde a queda de Delúbio
Soares. Além de Palocci, a tarefa cabia ao ex-ministro José Dirceu e ao
tesoureiro João Vaccari. No caso de Vaccari, já preso, as evidências de
participação no esquema são abundantes. Os procuradores também abriram
uma investigação específica para Dirceu.
À semelhança de Palocci, Dirceu enriqueceu como consultor, após sair
do governo em desgraça. Ele é suspeito de forjar contratos de
consultoria para receber propina das empreiteiras. Ele e as empresas
negam. No total, José Dirceu recebeu como consultor pouco mais de R$ 29
milhões entre 2006 e 2013. “Uma das principais sistemáticas para o
pagamento de propina para agentes públicos era justamente a celebração
de contratos simulados com empresas de consultoria. Há suspeita de que a
JD assessoria tenha sido utilizada para essa finalidade”, escreveram os
procuradores ao pedir a quebra de sigilo da empresa de Dirceu.
O ano de 2010, quando Dilma foi eleita, também foi próspero para o
petista. Sua empresa de consultoria faturou R$ 7,2 milhões. Para os
procuradores, as operações de Dirceu e Palocci são siamesas no método e,
suspeitam, na finalidade.
Tribuna da Internet