sábado, 9 de maio de 2015

A ÁFRICA E A TRAVESSIA DA MORTE

Mauro Santayana
Do Blog do Santayana
 
A “Primavera” Árabe, fomentada pelos EUA e pela União Europeia, com suas intervenções no Oriente Médio e no Norte da África, continua pródiga em produzir cadáveres, em fecunda safra, trágica e macabra.

Morre-se nas mãos do Exército Islâmico, que começou a ser armado para tirar do poder inimigos de Washington, como Kaddafi e Bashar Al Assad. 

 Morre-se nas cidades destruídas da Síria, da Líbia e do Iraque. 

Morre-se no deserto, ou à beira mar, na fuga do inferno que se estendeu por países onde até poucos anos crianças iam para a escola e seus pais, para o trabalho, todas as manhãs.

Morre-se, também, no Mar Mediterrâneo, quando naufragam embarcações frágeis e superlotadas a caminho de um destino incerto em um continente, a Europa, que odeia e rejeita os refugiados de seus próprios erros, alguns tão velhos quanto a política de colonização que adotou em um continente que ocupou, roubou e violentou, de todas as maneiras, por séculos a fio.

AS MESMAS CENAS

Para não escrever a mesma coisa, desta vez sobre os mortos de Catânia, reproduzo texto do final de 2013, sobre os mortos de Lampedusa, que pereceram em um dos mesmos inumeráveis naufrágios, nas mesmas circunstâncias, nas mesmas geladas profundezas, em que recebem, agora, os corpos daqueles que, empurrados pelo desespero, a fome e a violência, os seguiram para a morte, fazendo uma trágica travessia que, na maioria das vezes, não leva a lugar nenhum.

Há anos, milhares de pessoas têm morrido dessa forma.

  Que crime cometeram esses migrantes?

 Trazem apenas a esperança de quem foge da guerra e da miséria.  Mas, mesmo assim, a Europa os teme. A Europa teme a cor de sua pele, o idioma em que exprimem suas idéias e suas emoções, os deuses para quem oram, seus hábitos e sua cultura, sua indigência, sua humanidade, sua fome.

Se, antes, lutavam entre si, os europeus hoje, estão unidos e coesos, no combate a um inimigo comum: o imigrante de qualquer lugar do mundo, mas, principalmente, o imigrante da África Negra e do Oriente Médio.

PATRULHANDO AS COSTAS

Barcos de países mediterrâneos, como os da Grécia, Espanha e Itália, patrulham as costas do sul do continente. Quando apanhados em alto mar, em embarcações frágeis e improvisadas, por sua conta e risco, mais náufragos que navegantes, os imigrantes são devolvidos aos países de origem.

Antes, a imigração era, principalmente, econômica. Agora, a ela se somam as guerras e os deslocamentos forçados. São milhões de pessoas, tentando fugir de um continente devastado por conflitos hipocritamente iniciados por iniciativa e incentivo da própria Europa e dos Estados Unidos.

O Brasil está fazendo sua parte, abrindo nosso território para a chegada de centenas de refugiados sírios, como já o fizemos com milhares de haitianos e clandestinos escapados da África Negra que chegam a nossos portos de navio.

A Itália lançou uma operação militar “humanitária”, para acelerar o recolhimento de imigrantes que estiverem navegando em situação de risco junto às suas costas, mas irá manter sua rigorosíssima lei de veto à imigração, feita para proibir e limitar a chegada de estrangeiros.

CADA VEZ MENOS FILHOS

Como a mulher, amarga e estéril, que odeia crianças, a Europa envelhece fechada em seus males e crises, consumida pela decadência e a maldição de ter cada vez menos filhos.

Mas prefere que o futuro morra, junto com uma criança árabe, no meio do mar, a aceitar a seiva que poderia renovar seu destino.

Sepultados pela água e o sal do Mediterrâneo, recolhidos, assepticamente, nas praias italianas, ou enterrados, junto com seus pais, em cemitérios improvisados da Sicília – ao imigrante, vivo ou morto, só se toca com luvas de borracha – a meio caminho entre a miséria e o terror e um impossível futuro a eles arrebatado pela morte – os fantasmas dos meninos e meninas de Lampedusa poderiam assombrar, com sua lembrança, a consciência européia.

Se a Europa tivesse consciência.

Tribuna da Internet