Mauro Santayana
Do Blog do Santayana
Do Blog do Santayana
A “Primavera” Árabe, fomentada pelos EUA e pela União Europeia, com
suas intervenções no Oriente Médio e no Norte da África, continua
pródiga em produzir cadáveres, em fecunda safra, trágica e macabra.
Morre-se nas mãos do Exército Islâmico, que começou a ser armado para
tirar do poder inimigos de Washington, como Kaddafi e Bashar Al Assad.
Morre-se nas cidades destruídas da Síria, da Líbia e do Iraque.
Morre-se
no deserto, ou à beira mar, na fuga do inferno que se estendeu por
países onde até poucos anos crianças iam para a escola e seus pais, para
o trabalho, todas as manhãs.
Morre-se, também, no Mar Mediterrâneo, quando naufragam embarcações
frágeis e superlotadas a caminho de um destino incerto em um continente,
a Europa, que odeia e rejeita os refugiados de seus próprios erros,
alguns tão velhos quanto a política de colonização que adotou em um
continente que ocupou, roubou e violentou, de todas as maneiras, por
séculos a fio.
AS MESMAS CENAS
Para não escrever a mesma coisa, desta vez sobre os mortos de
Catânia, reproduzo texto do final de 2013, sobre os mortos de Lampedusa,
que pereceram em um dos mesmos inumeráveis naufrágios, nas mesmas
circunstâncias, nas mesmas geladas profundezas, em que recebem, agora, os
corpos daqueles que, empurrados pelo desespero, a fome e a violência,
os seguiram para a morte, fazendo uma trágica travessia que, na maioria
das vezes, não leva a lugar nenhum.
Há anos, milhares de pessoas têm morrido dessa forma.
Que crime
cometeram esses migrantes?
Trazem apenas a esperança de quem foge da
guerra e da miséria. Mas, mesmo assim, a Europa os teme. A Europa teme a
cor de sua pele, o idioma em que exprimem suas idéias e suas emoções,
os deuses para quem oram, seus hábitos e sua cultura, sua indigência,
sua humanidade, sua fome.
Se, antes, lutavam entre si, os europeus hoje, estão unidos e coesos,
no combate a um inimigo comum: o imigrante de qualquer lugar do mundo,
mas, principalmente, o imigrante da África Negra e do Oriente Médio.
PATRULHANDO AS COSTAS
Barcos de países mediterrâneos, como os da Grécia, Espanha e Itália,
patrulham as costas do sul do continente. Quando apanhados em alto mar,
em embarcações frágeis e improvisadas, por sua conta e risco, mais
náufragos que navegantes, os imigrantes são devolvidos aos países de
origem.
Antes, a imigração era, principalmente, econômica. Agora, a ela se
somam as guerras e os deslocamentos forçados. São milhões de pessoas,
tentando fugir de um continente devastado por conflitos hipocritamente
iniciados por iniciativa e incentivo da própria Europa e dos Estados
Unidos.
O Brasil está fazendo sua parte, abrindo nosso território para a
chegada de centenas de refugiados sírios, como já o fizemos com milhares
de haitianos e clandestinos escapados da África Negra que chegam a
nossos portos de navio.
A Itália lançou uma operação militar “humanitária”, para acelerar o
recolhimento de imigrantes que estiverem navegando em situação de risco
junto às suas costas, mas irá manter sua rigorosíssima lei de veto à
imigração, feita para proibir e limitar a chegada de estrangeiros.
CADA VEZ MENOS FILHOS
Como a mulher, amarga e estéril, que odeia crianças, a Europa
envelhece fechada em seus males e crises, consumida pela decadência e a
maldição de ter cada vez menos filhos.
Mas prefere que o futuro morra, junto com uma criança árabe, no meio do mar, a aceitar a seiva que poderia renovar seu destino.
Sepultados pela água e o sal do Mediterrâneo, recolhidos,
assepticamente, nas praias italianas, ou enterrados, junto com seus
pais, em cemitérios improvisados da Sicília – ao imigrante, vivo ou
morto, só se toca com luvas de borracha – a meio caminho entre a miséria
e o terror e um impossível futuro a eles arrebatado pela morte – os
fantasmas dos meninos e meninas de Lampedusa poderiam assombrar, com sua
lembrança, a consciência européia.
Se a Europa tivesse consciência.
Tribuna da Internet