Carlos Drummond — O novo aumento da taxa de juros
acentua a crise provocada pela estagnação e pelo ajuste fiscal.
Levy vê
uma situação estável, mas não se sabe para onde olha
Quatro meses depois do início do
ajuste fiscal, o Banco Central aumentou os juros em meio ponto
porcentual, para 13,25%, no fim de abril.
A quinta elevação consecutiva
aproxima a taxa do patamar de seis anos atrás, quando chegou a 13,75%. A
decisão acentuou o efeito de diversas medidas de redução do crédito e
do investimento públicos, ignorou o aumento do desemprego e a queda de
renda real e indicou um ano de grave recessão.
O ministro da Fazenda,
Joaquim Levy, vê, entretanto, uma “estabilização das expectativas” e a
presidenta Dilma reafirma a “necessidade de ajustes e a determinação do
governo em implementá-los”. As medidas do governo aumentam a fragilidade
da estrutura produtiva, avaliam alguns empresários e economistas. Há um
esboço de agenda positiva, a exemplo do esforço para retomar os
investimentos em infraestrutura, mas parece imperar a incoerência,
quando não a inconsistência de várias medidas.
Entre 25 países relevantes, o Banco
Central do Brasil é o único a aumentar os juros. Os demais mantêm ou
reduziram as taxas para favorecer a recuperação econômica, aponta o
economista Antônio Correa de Lacerda, professor da PUC de São Paulo.
“Com a economia internacional adversa, um ajuste fiscal que corta
gastos, limita o orçamento para investimentos e restringe a atuação dos
bancos públicos, é um grande contrassenso o Banco Central subir a taxa
de juros. O efeito sobre o emprego, o nível de atividade e a renda é
avassalador”.
Lacerda prevê para este ano uma queda do PIB em torno de
2%, desemprego entre 7% e 8%, redução da renda real de 5% a 6% e aumento
do custo de financiamento da dívida pública, de 311 bilhões no ano
passado para 370 bilhões de reais. Um custo excessivo para o País,
avalia o economista.
O desemprego subiu de 5,9% para 6,2% entre fevereiro e
março, na terceira elevação mensal consecutiva, divulgou o IBGE na
terça-feira 28. Diante do mesmo mês do ano anterior, a taxa é 1,2 ponto
porcentual superior. O rendimento médio real dos trabalhadores caiu em
março, para 2.134,60 reais, em um recuo de 2,8% em relação ao mês
anterior e de 3% diante do valor registrado em março de 2014.
A política do BC provoca polêmica também
em relação ao câmbio. A desvalorização do real, embora insuficiente, era
a única fonte de oxigenação de várias empresas até março, mas a
autoridade monetária inverteu essa orientação. “O BC está interessado na
entrada de capitais para fechar o balanço de pagamentos. Se isso
valorizar o câmbio e a indústria for para o brejo, será, para ele, só um
dano colateral. É como eu interpreto a situação. A coisa está feia”,
avalia Mario Bernardini, diretor da Associação Brasileira da Indústria
de Máquinas e Equipamentos, a Abimaq.
A mudança de postura, explicou o BC, decorre da não
renovação, neste mês, dos leilões de swap cambial e de venda de dólares
com compromisso de recompra, implantados em agosto de 2013.
O programa,
diz a autoridade monetária, proporcionou no período um “volume relevante
de proteção cambial aos agentes econômicos”.
Questionado sobre a
insuficiência da explicação diante da persistência dos motivos
determinantes da necessidade dessa proteção, entre eles a debilidade da
indústria e das exportações, o Banco Central não respondeu até o
fechamento desta edição.
“Será um grande equívoco se o governo perder a
oportunidade de manter a taxa de câmbio mais competitiva, fundamental
para o crescimento econômico de longo prazo”, alerta o economista Luiz
Fernando de Paula, professor da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro.
“Vai ser um ano ruim, isso é líquido e
certo. Mas não é um ano ruim isoladamente. Nós estamos perdendo
faturamento há três anos no setor de bens de capital. Deveremos fechar
este ano 30% menores em comparação a 2011, o que dá uma ideia do estrago
nos investimentos no País”, diz Bernardini. O setor é um importante
sinalizador do investimento total da economia, por produzir máquinas e
equipamentos para o conjunto da indústria. Todos os setores
manufatureiros estão em processo de perda de faturamento. A indústria
como um todo terá, em 2015, uma participação marginal no PIB, abaixo de
10%, prevê o empresário. Hoje, o setor responde por 13% do Produto
Interno Bruto.
“O problema principal é a dificuldade de acesso ao
crédito. É preciso parar com os aumentos de juros, eles já são os
maiores do mundo”, alerta José Ricardo Roriz Coelho, diretor da
Federação das Indústrias do Estado de São Paulo. Se a economia continuar
travada, as empresas não terão dinheiro para capital de giro, não
pagarão os fornecedores e esses farão o mesmo com os seus parceiros.
Haverá atraso ou não pagamento de impostos e salários, em uma situação
de deterioração acelerada, com proliferação em todas as cadeias
produtivas, prevê Roriz. Ao aumentar os juros e dificultar o crédito, o
governo “dá um sinal muito ruim, de que as coisas vão piorar ainda
mais. Ele tira totalmente a capacidade de reação da economia”.
A atitude contraproducente do governo tem
origem política, avalia Luiz Fernando de Paula. Devido às dificuldades
de aprovação das medidas fiscais no Congresso, as taxas de juros de
longo prazo, aquelas que interessam para as decisões de produção, não
baixam, por embutirem o risco de o governo não cumprir o que prometeu.
Em consequência disso, o BC tem de elevar os juros para mostrar o
comprometimento governamental em reduzir a inflação a médio prazo e
ancorar as expectativas do sistema financeiro e das empresas em relação a
essa variável, analisa o economista. O problema é que parte da
aceleração inflacionária deste ano decorre de fatores do lado da oferta,
como os reajustes em energia elétrica e gasolina, e efeitos da
desvalorização cambial sobre produtos importados, entre outros motivos, e
não de fatores do lado da demanda, bastante enfraquecida.
Outra medida contraditória é a redução do
teto de financiamento de imóveis usados pela Caixa Econômica Federal,
de 70% para 50%, para estimular a aquisição de unidades novas, anunciada
na última semana de abril.
“A venda de imóveis novos caiu 40%, a
construção civil passa por um problema muito grande. Não adianta
restringir ainda mais o crédito, porque um número muito menor de pessoas
se dispõe a comprar imóveis em uma situação como esta”, analisa Roriz. A
diminuição do financiamento público de usados permite supor que o setor
financeiro privado deveria ocupar esse lugar, mas sobem a taxa de
juros. “É uma inocência total, não dá para entender algumas das decisões
tomadas”, diz Lacerda.
O setor financeiro, com recordes
de lucros em 2014, será afetado na área de crédito pelo aumento do
desemprego e das dificuldades das empresas, mas contará com os juros
mais altos e a remuneração dos títulos da dívida pública para continuar
no azul. Cada ponto porcentual de aumento dos juros eleva a dívida em 20
bilhões de reais, aponta Roriz. Entre os beneficiários dos juros
incluem-se os setores rentistas detentores de médios e grandes
patrimônios. Esse segmento vai bem.
No conturbado início de 2015,
brasileiros compraram 25% das unidades do complexo bilionário Paramount
Miami Worldcenter, nas duas semanas seguintes ao lançamento. Nos últimos
anos, aumentou a procura tradicional de imóveis em Miami por
compradores do Brasil, diz Peggy Fucci, CEO da OneWorld Properties,
responsável pelas vendas do Paramount.
O hiato habitual entre a variação dos
juros e o seu efeito no nível de atividade permite prever que o País
sentirá o impacto adicional da última elevação das taxas dentro de seis a
oito meses, “quando a economia estará em um mergulho recessivo
perigosíssimo”, alerta Lacerda.
Controvérsia/Postado originalmente em Carta Maior