Um neonazista descobre que é judeu, e que sua avó foi prisioneira em Auschwitz. Um conto de Gunther Grass? Não, uma história verídica, na Hungria.
Mauro Santayana
Um neonazista, veemente antissemita e
anticomunista, vivendo em um país da Europa Oriental, vice-líder de uma
organização de brutamontes que invadem, uniformizados, bairros de
periferia, para desfilar e espancar velhos, crianças e mulheres ciganas -
povo profundamente discriminado por essas bandas - descobre,
repentinamente, que é judeu, e que sua avó foi prisioneira no campo de
extermínio de Auschwitz, na Polônia, durante a Segunda Guerra Mundial,
onde perdeu boa parte da família.
Ele
deixa, então, sua velha vida, abandona aquele que era o seu partido e a
sua antiga organização paramilitar, e passa a fazer palestras em escolas
de segundo grau, alertando para os perigos da discriminação.
O
que é isso? Um conto do escritor alemão Günter Grass, morto há poucas
semanas? Um roteiro de Rainer Werner Fassbinder, o diretor de “Berlin,
Alexanderplatz”?
Nada disso. Por
incrível que pareça - até agora, pelo menos - trata-se de uma história
real, a do político húngaro Csanad Szegedi.
Fundador
da “Guarda Húngara”, inspirada nas milícias nazistas como as SA e as
SS, e até pouco tempo atrás membro do partido de extrema-direita Jobbik,
Szegedi foi eleito deputado para o Parlamento Europeu, pregando o ódio
aos judeus e aos ciganos, que considerava, como muitos fascistas
húngaros consideram, culpados pelos problemas do país.
Com
apenas dez milhões de habitantes, a Hungria foi, a exemplo de outras
nações que mais tarde pertenceriam à área de influência da URSS, um dos
aliados que apoiaram Hitler em uma grande coalizão contra os russos, e
enviou, junto com os alemães, um milhão de judeus e ciganos nascidos em
seu território, para a morte nos campos de extermínio nazistas, nos
últimos anos da Segunda Guerra Mundial.
Szegedi,
hoje, converteu-se ao judaísmo, vai à Sinagoga e estuda o Talmude,
embora ainda não tenha - segundo o jornal israelense Haaretz -
abandonado o hábito de comer salsicha e carne de porco, que adquiriu ao
ser educado como evangélico por seus pais.
Não
dá para saber, portanto, qual seria sua reação a propósito dos
palestinos, como minoria no Oriente Médio, ou ao ter seu casaco puxado
por um pequeno mendigo cigano nas ruas de Budapeste.
O
importante, em sua história, é como o destino se encarrega, às vezes em
irônica vingança, de combater o fascismo - mesmo quando ele reside,
eventualmente, dentro de nós - dando ao indivíduo que o carrega um pouco
de seu próprio veneno, fazendo com que sinta, em sua pele e carne, o
que sentem as vítimas de seu ódio e violência, racismo, sadismo e
discriminação.
Na impossibilidade de
transformar todos os nazistas, os anticomunistas e os neofascistas, em
recém auto-descobertos “judeus novos” e netos de prisioneiros de campos
de extermínio, o melhor remédio para matar um fascista, sem eliminar,
necessariamente, a pessoa que ele habita, é ministrando-lhe a dose certa
de dados e de informação.
Água mole em
pedra dura tanto bate até que fura, mesmo que a contrainformação
promovida pelo fascismo midiático que têm tomado conta da maioria das
redes de comunicação contemporâneas, nas mãos de bilionários como
Murdoch, Berlusconi, e Ted Turner - como se pode ver pelo serviço em
espanhol da CNN - esteja erguendo muros mais altos e aparentemente mais
inexpugnáveis que os inacessíveis paredões de Olimpus Mons, que se
erguem no planalto marciano de Tharsis, no maior vulcão extinto do
Sistema Solar.
Mais pode a chuva, que
cai, durante anos, gota a gota, do que os tsunamis conservadores que
tudo arrasam, e, depois que passam, revelam aos povos porque os homens
devem se afastar, horrorizados, do fascismo, quando ele aponta, como
cabeça de serpente, nos meandros da história, mostrando a terrível
essência e a verdadeira natureza do mal.
Carta Maior