Samantha Lima e Leonardo Souza
Folha
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A Petrobras usou um artifício contábil, criticado por especialistas,
para inflar em R$ 1,3 bilhão o lucro da companhia no primeiro trimestre
deste ano, o primeiro sob a gestão de Aldemir Bendine como presidente da
estatal.
O resultado, de R$ 5,3 bilhões, surpreendeu o mercado, que
esperava lucro inferior. Entre as razões para o bom resultado, a empresa
registrou ganho baseado em evento de 7 de maio, 37 dias depois do fim
do trimestre.
Isso permitiu à Petrobras reavaliar o risco de calote de parte da
dívida de R$ 14,4 bilhões que o setor elétrico tem com a companhia pelo
fornecimento de gás e óleo combustível para mover usinas térmicas no
Norte do país.
Historicamente, essa conta era paga com subsídios recolhidos nas
contas de luz de todos os consumidores, que foram cortados em 2012
quando o governo anunciou que baixaria as tarifas.
A conta dessas elétricas passaria a ser paga com dinheiro do Tesouro.
Com o aperto fiscal, os repasses sofreram atrasos, e as elétricas
passaram a não pagar a Petrobras. No fim de 2014, o governo retomou os
subsídios.
SEM GARANTIAS
A Petrobras renegociou parte da dívida com as elétricas, mas avaliou
que na outra parcela não tinha garantia de recebimento. Por isso,
reconhecia no quarto trimestre de 2014 um risco de calote de R$ 4,5
bilhões.
Quando isso ocorre, a empresa tem de fazer a chamada provisão nas
demonstrações contábeis. O valor também é lançado como despesa. Isso
contribuiu para perda de R$ 21,7 bilhões em 2014.
Na semana passada, a empresa informou ter reavaliado o risco de
calote nesses R$ 4,5 bilhões e entendeu que a assinatura de um contrato
com a Eletrobras, em que a estatal elétrica deu como garantia créditos
do subsídio da conta de luz, dava-lhe aval para reverter R$ 1,3 bilhão
da provisão feita antes.
Isso reduziu as despesas em igual valor e, consequentemente, teve
impacto do mesmo tamanho no lucro. O contrato, porém, foi assinado em 7
de maio.
FORA DAS NORMAS CONTÁBEIS
Para Eric Barreto, professor do Insper e sócio da M2M Escola de
Negócios, a contabilização “está em desacordo” com norma contábil. “Um
evento que ocorre depois do fechamento do balanço deve ser registrado em
nota explicativa, mas não deve afetar o balanço”, diz.
O professor de finanças Marcos Piellusch diz que a manobra é uma
“pedalada contábil”. “Não poderia ser feito, porque é um fato gerador
referente a outro trimestre. A CVM deve analisar a legalidade da
manobra. O caso pede esclarecimento”.
Diretor da consultoria Confirp, Welinton Mota considerou o caso
“criatividade pura”. “Não é ético e fere o princípio contábil pelo qual o
fato de maio deve ter efeito no segundo trimestre”.
Estrategista-chefe da corretora XP Investimentos, Celson Plácido diz
que a decisão reduz a credibilidade.
“Não é errado, mas a empresa perde
confiança. Mexer em provisão de devedores é recorrente no setor
bancário, mas não em empresas”.
Consultada sobre por que tomou um fato de maio para uma reversão
registrada no primeiro trimestre, a Petrobras informou apenas que
“trabalha para a recuperação da totalidade das dívidas de terceiros”.
Tribuna da Internet