segunda-feira, 18 de maio de 2015

PROMOTORIA DA BAHIA PEDE PRISÃO DE PMs ACUSADOS DE EXECUÇÕES NO CABULA

Polícia baiana falava em "confronto" no caso. Ao menos uma testemunha está sob ameaça

 

"O que mais assusta é o senso de impunidade. Eles acharem que não ia dar em nada", diz o promotor Davi Gallo. Gallo se refere aos nove integrantes da Polícia Militar da Bahia para quem pediu, nesta segunda-feira, prisão preventiva. 

O grupo de policiais, indiciado por homicídio triplamente qualificado, é acusado de render e executar 12 homens e adolescentes na Vila Moisés, periferia da região do Cabula, em Salvador, às vésperas do Carnaval.


Horas depois das mortes, em 6 de fevereiro, a Polícia Militar divulgou que atuara para desbaratar os planos de um grupo de 30 criminosos prestes a assaltar um banco. 

Integrantes da cúpula da Segurança Pública da Bahia chegaram a falar de confronto com armas pesadas, que o grupo havia atacado os policiais vestidos com roupas camufladas.

Agora, o Ministério Público contesta cabalmente essas informações. "Os policiais fazem é um ato de vingança porque havia tido, nos dias anteriores, um confronto onde um tenente da polícia sofreu um ferimento na perna na Vila Moisés", conta Gallo, que trabalhou no caso ao lado de outros três promotores — José Emmanoel Lemos, Cassio Marcelo de Melo e Ramires Tyrone.


A denúncia do Ministério Público que cita execução, e não "confronto", como sustentava a Polícia Militar e a cúpula da Segurança Pública na Bahia, foi antecipada pelo EL PAÍS no dia 10. 

Este jornal também apurou que o IPM (Inquérito Policial Militar), no âmbito da Corregedoria da Polícia, seguirá dizendo que houve indícios de "confronto". A investigação da Polícia Civil sobre o caso ainda não foi divulgada oficialmente.


"Todos os laudos cadavéricos indicam — todos — que o que houve foi uma execução. As vítimas estavam em plano inferior a seus agressores. Ou de joelho, ou deitadas", segue o promotor, confirmando informações publicadas pelo jornal Correio da Bahia. 

Gallo diz que ao menos uma testemunha, um sobrevivente da chacina, relatou estar sofrendo ameaças, e deixou Salvador.


As mortes, num terreno pouco distante da área habitada da Vila Moisés, provocaram comoção em Salvador e mobilizaram ativistas do Reaja ou Será Morto, Reaja ou Será Morta, que milita pelos direitos dos negros, e da Anistia Internacional. 

O Reaja pede a queda da cúpula da Segurança, que não havia se pronunciado até a publicação deste texto.

Em abril, o EL PAÍS conversou com parentes das vítimas da chacina — de acordo com a denúncia. Todos tinham entre 16 e 26 anos, e só um com passagem pela polícia.

 A costureira Marina de Oliveira, avó de um rapaz de 17 anos morto pelos policiais, chorou ao citar sua rotina sem noites de sono após perder Natanael.

 "É a crueldade que mais me dói", contou ela, que prometeu buscar justiça. "Lembro dele sorrindo para mim, alisando meu queixo. Como é que esquece?"


O caso de Cabula se soma a denúncias recentes de abusos policiais na Bahia, o Estado que ocupa o terceiro lugar no ranking das polícias que mais matam no Brasil, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública. 

Os episódios apontam especialmente para desvios da Rondesp, as rondas especiais que se inspiram na Rota, a unidade especial da Polícia de São Paulo famosa pela violência. 


"É urgente um debate profundo sobre a reforma das polícias, especialmente sobre a desmilitarização, o controle externo da atividade policial, realização de perícia independente e acesso a informação", disse Renata Neder, da Anistia, sobre o caso de Cabula. 

"A polícia brasileira mata muito, amparada por procedimentos legais que perpetuam a impunidade e a falta de controle externo e responsabilização", completou.

EL PAÍS Brasil