Mauro Santayana
(Hoje em Dia)
Se há um “conto do vigário” recorrente, no qual temos caído, sempre,
historicamente, ele é o do “livre” comércio.
A tradição de negociar com
os de fora em condição de inferioridade, como se fosse tremenda
vantagem, é uma marca cultural brasileira, que deve ter se inaugurado
quando, na areia, contemplando as primeiras caravelas, os nativos destas
terras entregaram aos portugueses confessáveis e inconfessáveis
riquezas, em troca de espelhinhos e miçangas.
A presidente Dilma Roussef retornou, há poucos dias, da Cúpula entre a
CELAC – Comunidade dos Estados da América Latina e do Caribe, e a União
Europeia, realizada na semana passada, em Bruxelas.
Na Bélgica, ela tinha também a expectativa de fazer avançar as
negociações em torno do acordo de comércio entre o Mercosul e a União
Europeia, mas voltou de mãos abanando.
Na linha do “faça o que eu digo, mas não o que eu faço”, os europeus,
como fazem há anos, depois de acusar o Mercosul e o Brasil de
protecionismo e de estar atrasando as negociações, pediram para
transferir a próxima reunião para outubro.
ABRIR O MERCOSUL
Muito mais fechados do que querem fazer parecer em jornais
brasileiros que divulgam – e muitas vezes defendem, abertamente – suas
posições, os europeus não buscam um acordo equilibrado e tem suas
próprias dificuldades para chegar a um consenso.
O que a UE quer é abrir o mercado do Mercosul, com um PIB de 3
trilhões de dólares (2,3 trilhões do Brasil) às suas exportações de
máquinas e serviços, sem levantar suas barreiras às exportações do
Mercosul, mesmo que estas em sua maioria sejam de commodities agrícolas
de baixo valor agregado.
Ao contrário da nossa, a agricultura europeia é altamente subsidiada,
não apenas em seus principais países, mas também em pequenas nações que
entraram para a UE e a OTAN recentemente, em troca de seu afastamento
da órbita russa.
UMA BALELA
O “livre” comércio de europeus e norte-americanos é uma balela.
Uns e outros defendem seus interesses, tanto é que o propalado acordo
transcontinental entre a Europa e os Estados Unidos está enfrentando
cada vez mais resistências dos dois lados do Atlântico.
E fazem o mesmo com relação ao Brasil, como pode ser visto, com dois exemplos, entre muitos outros:
Para vender aos EUA aviões – que já contam com muitas peças Made in
USA – a Embraer teve que, primeiro, montar uma fábrica na Flórida, e
associar-se de forma minoritária com uma empresa norte-americana.
E, agora, o empreendedor brasileiro-norte-americano David Nelleman,
da AZUL, teve de associar-se também minoritariamente ao português
Humberto Pedrosa para disputar e ganhar a privatização da TAP –
Transportes Aéreos Portugueses (nascidos em outro continente não podem
controlar companhias de aviação europeias).
Enquanto isso, por aqui, esquemas acionários mirabolantes permitem,
de fato, o controle externo de companhias aéreas nacionais, e
parlamentares defendem, ferrenhamente, no Congresso, o fim das
restrições à venda de terras para empresas e cidadãos estrangeiros.
Tribuna da Internet