Cristovam Buarque
O Globo
O ajuste fiscal é o principal tema nacional do momento, mas pouco se
discute sobre as causas e responsabilidades pelo desajuste fiscal que
caracteriza o presente e sobre as bases históricas do desajuste
estrutural. Há décadas o Brasil adia reformas estruturais. Há anos
alertamos sobre os riscos provocados por decisões irresponsáveis com as
finanças públicas, mas os alertas foram repudiados.
A euforia ilusória que o atual governo propagandeou à opinião
pública, realimentando-se dela, impediu que a realidade em marcha fosse
vista. Além da cegueira, a lógica de governar para atender
reivindicações imediatas de grupos específicos e a ganância eleitoral
levaram a irresponsabilidades desajustadoras. O resultado é a triste
necessidade de ajustes, que, além de trazer retrocessos para a economia e
a sociedade, ainda enfrentam resistências que talvez impeçam seu êxito.
A primeira dificuldade para superação do atual quadro está no fato de
que o ajuste é patrocinado e executado pelo mesmo governo que provocou o
desajuste. A presidente parece não ter entendido a dimensão do problema
nem aceita reconhecer que a crise decorre de seus erros. Assim, fica
difícil conseguir entendimento para formular e credibilidade para
executar as medidas necessárias.
OUTRAS DIFICULDADES
A segunda dificuldade decorre do tamanho do país. Em outros tempos,
já estaríamos de volta ao Fundo Monetário Internacional (FMI) para obter
empréstimo que cobrisse o déficit fiscal. Mas nossos problemas são
maiores do que as soluções que os organismos internacionais podem
proporcionar. Tampouco podemos contar com receitas extras, como as do
pré-sal, pois o Brasil não cabe num poço de petróleo. Nossa dívida bruta
é de R$ 3,48 trilhões.
A conta de juros nominais do setor público, que
exigiu R$ 396,6 bilhões nos 12 meses terminados em março de 2015, supera
o PIB de 116 países. Isso dá a dimensão do problema a ser enfrentado
para controlarmos o crescimento da dívida e podermos pensar em retomar
minimamente os investimentos.
A terceira dificuldade para superação da crise vem da falta de um
sentimento nacional.
O país está dividido em corporações e grupos
preocupados com interesses específicos e imediatos, banqueiros ou
trabalhadores, sem considerar o interesse coletivo e o futuro. Isso se
agravou com a radicalização da política e com o uso de instrumentos
marqueteiros, sectários e descomprometidos com a verdade, como aqueles a
que recorreu a presidente Dilma durante a campanha eleitoral de 2014.
Mas a maior dificuldade decorre dos desajustes estruturais e
históricos de uma sociedade que não fez as escolhas certas no passado,
não teve a devida responsabilidade, nem fiscal nem social, aceitando
cair na inflação, na desigualdade e na ineficiência. O Brasil é grande
demais, imediatista demais, descrente demais e desgovernado demais para
superar as atuais dificuldades sem um entendimento político, necessário
para ajustar nossas contas públicas e corrigir nossos desajustes
estruturais.
Tribuna da Internet