Vladimir Safatle
Folha
Em 1974, Celso Furtado escreveu um pequeno livro que ainda hoje
impressiona pela sua capacidade crítica em relação a um dos fundamentos
da noção econômica de progresso. Nele, a própria noção de
desenvolvimento econômico era descrita como um “mito”.
Furtado se bateu constantemente contra a maneira com que a visão do
desenvolvimento se circunscrevia à lógica dos meios, ou seja, como a
simples ampliação quantitativa do “crescimento”, do “investimento”, da
“exportação” nunca nos levaria a uma real transformação. Daí por que ele
dizia que a fixação em tal mito do desenvolvimento econômico era
responsável pela paralisia da criatividade social.
Nesse contexto, “criatividade” significava a capacidade de
transformar globalmente o horizonte do progresso da vida social,
colocando em questão meios e fins para abrir o espaço à constituição de
novas formas de vida.
FOI SÓ UM MITO?
Agora, no momento em que o Brasil termina um ciclo de desenvolvimento
que teria durado uma década e recebeu o nome de “lulismo”, é salutar
voltar os olhos à teoria de Celso Furtado a fim de se perguntar se,
afinal de contas, ela não foi a mais bem acabada expressão de um “mito”.
Não se trata aqui de negar como, no final de 2010, assistimos a
fenômenos como a ascensão social de 42 milhões de pessoas com sua
ampliação da capacidade de consumo, a elevação do salário mínimo a 50%
acima da inflação, entre outros.
Mas trata-se de perguntar se a circunscrição do pretenso sucesso do
modelo econômico lulista à tal “lógica dos meios” não expressa
claramente a incapacidade de setores hegemônicos da esquerda brasileira
de assumir como tarefa maior a crítica do mito de desenvolvimento
econômico e a absorção da “criatividade social” como conceito
fundamental para a definição do que pode ser entendido como “progresso”.
CONTINUAM DESIGUAIS
Por exemplo, é claro que o que vimos no lulismo não foi o combate à
desigualdade, mas a capitalização dos setores mais pobres da população, o
que é muito diferente. Os rendimentos dos mais ricos continuaram
aumentando, mesmo que os mais pobres tenham sido relativamente
capitalizados.
Com isso, os rendimentos dos mais ricos puxaram preços
para cima, transformando São Paulo e Rio em algumas das cidades mais
caras do mundo. Isso corroeu o ganho dos mais pobres, fazendo com que as
conquistas do modelo rapidamente se esvaíssem, como vemos agora.
Por não ter pensado o desenvolvimento fora da chave de sempre, o
lulismo foi mais um capítulo de um mito que a própria esquerda
brasileira havia diagnosticado há 40 anos.
(artigo enviado pelo comentarista Mário Assis)
Tribuna da Internet