terça-feira, 4 de dezembro de 2012

“Existe um projeto neoliberal que subordinou a educação às necessidades do mercado”



Convite expõe embate ideológico na educação

Indicação de Secretária de Educação do Rio a cargo no MEC gerou mobilização inédita, contrária e a favor

04 de dezembro de 2012 | 2h03


O convite, na semana passada, para que a Secretária Municipal de Educação do Rio de Janeiro, Cláudia Costin, assumisse a Secretaria de Educação Básica do Ministério da Educação (MEC) trouxe à tona o embate existente entre as duas correntes que pensam e gerem o assunto no Brasil.

De um lado, estão os pedagogos — acadêmicos de instituições públicas tradicionais de ensino — e os sindicatos dos docentes. De outro, profissionais de áreas como administração e economia, além de fundações e instituições voltadas à discussão do tema.

O primeiro grupo, o dos pedagogos, é o que historicamente domina o cenário da educação brasileira, desde a construção do currículo dos cursos de Pedagogia até a formulação dos concursos públicos que selecionam docentes para as redes de ensino.

O segundo, o dos “estrangeiros à Pedagogia”, trouxe referências de outras áreas para a discussão do tema e defende as avaliações externas, as metas de aprendizagem e a existência de um currículo nacional.

Assim que o ministro Aloizio Mercadante fez o convite a Cláudia, o primeiro grupo lançou uma petição pública contra a nomeação. O texto a acusa de autoritarismo didático e de “capitalizar” a educação. Sua gestão no Rio seria marcada pela “privatização do ensino público, a fragmentação do trabalho docente, a perda da autonomia dos professores e a submissão estrita aos cânones neoliberais”.

Em resposta a esse ato de repúdio, o segundo grupo publicou uma carta de apoio à secretária, com números que mostram o avanço das escolas cariocas no Índice de Desenvolvimento Educacional (Ideb) e afirmando que a gestão “ousou experimentar novas formas de aprender”.

Enquanto o debate fervilhava na internet, Cláudia recusou o convite por questões pessoais e o posto do MEC continua vago. Cesar Callegari, que ocupava o cargo, foi anunciado ontem como o novo secretário municipal de Educação de São Paulo.

Em breve, a discussão deve sair dos holofotes, mas continuará nos gabinetes que decidem os rumos da educação brasileira.

Embate. Uma das questões debatidas é a serviço de quem a escola tem sido pensada e realizada. Boa parte da academia acredita que esses novos atores no setor educacional trabalham a serviço do capitalismo, com foco em metas de empregabilidade e enriquecimento do País.

“Existe um projeto neoliberal que diminuiu a importância do Estado e subordinou a educação às necessidades imediatas do mercado”, diz Carmen Sylvia Moraes, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), que ajudou a conceber o manifesto contra a nomeação. “Esquecem-se de que a educação é a expressão e não a causa do desenvolvimento. Precisamos de um trabalhador com autonomia intelectual, crítico. E isso não se consegue com as metas que os economistas propõem”.

Ao se referir a metas, Carmen coloca em evidência outro motivo de discórdia: as expectativas de aprendizagem e as bonificações aos docentes atreladas ao aprendizado dos alunos. Na cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, professores de escolas que alcançaram as metas no Ideb e no IdeRio, o índice local, são bonificados. O Estado de São Paulo tem programa similar.

“A avaliação pode estar maquiada. A educação é mais que as notas de matemática e português. Essa é uma visão curta e economicista que culpabiliza o professor pelo fracasso do aluno”, diz Gaudêncio Frigotto, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), que assinou a petição contrária.

Resultados. Os números do Ideb têm mostrado avanços no Rio. Dados recentes mostram que, enquanto o Ideb dos anos finais do ensino fundamental subiu 0,2 ponto nas escolas públicas do País (de 3,7 para 3,9), o da cidade do Rio foi de 3,6 para 4,4.

Por lá, os professores têm de cumprir um currículo com expectativas de aprendizagem e o concurso público, além da prova teórica, compreende uma aula para uma banca, com o propósito de avaliar a prática de ensino, a didática do docente.

“São experiências que deram certo principalmente em benefício dos mais carentes”, afirma o sociólogo Simon Schwartzman, que assina carta em apoio à Secretária Municipal do Rio.

Denis Mizne, diretor da Fundação Lemann, endossa o coro. “Conseguir esse avanço no aprendizado em uma cidade grande como o Rio não é pouco. Uma pena ela não ir para o MEC em nome desse debate antigo e de posicionamentos radicais que não ajudam, na prática, a melhorar a educação no País.”
Priscila Cruz, do Todos pela Educação, pondera que o debate é um bom sinal. Mostra que a educação está na pauta. Mas completa: “Enquanto se discute ideologia, o analfabetismo continua”.

VIOMUNDO