Ricardo Galhardo
Estadão
Passados 10 anos da eclosão do mensalão, o ex-ministro da Casa Civil
José Dirceu, condenado a 7 anos e 11 meses de prisão por corrupção
ativa, não esconde a mágoa em relação ao ex-presidente Luiz Inácio Lula
da Silva e à presidente Dilma Rousseff.
Em conversa com amigos na semana
passada, Dirceu usou a palavra “covardia” para se referir à postura que
considera omissa de Lula e Dilma durante todo o processo do mensalão.
Omissão que, segundo ele, se repete agora, em relação à Operação Lava
Jato, na qual Dirceu é investigado, e faz com que todos os petistas
condenados ou não, inclusive o ex-presidente e a atual, carreguem a
pecha de corruptos.
“De que serve toda covardia que o Lula e a Dilma fizeram na ação
penal 470 e estão repetindo na Lava Jato? Agora estamos todos no mesmo
saco, eu, o Lula, a Dilma”, disse Dirceu, segundo relatos colhidos pela
reportagem.
Durante uma década Lula se esquivou de fazer publicamente a defesa
dos correligionários envolvidos no esquema de corrupção que, segundo o
Supremo Tribunal Federal, serviu para comprar apoio parlamentar ao
governo do PT.
Até o julgamento, em 2013, alegava que preferia esperar a
decisão do Supremo. Depois colocou o assunto de lado, apesar de todos
pedidos para que desse ao menos uma palavra de solidariedade aos
companheiros presos.
LULA NÃO DEFENDE NINGUÉM
Aos amigos com quem falou na semana passada, Dirceu disse desconhecer
as razões de Lula e fez uma ressalva ao dizer que o ex-presidente não
faz “nem a defesa dele mesmo”.
Apesar da mágoa, o ex-ministro descarta qualquer possibilidade de o
ex-presidente ter participado das negociações com partidos aliados que
levaram ao escândalo do mensalão.
Ele revelou a pessoas próximas ter voltado contra sua vontade à
direção do PT em 2009, quando preferia se manter afastado do foco
político.
O ex-ministro disse ter sido procurado por Paulo Okamoto,
presidente do Instituto Lula, em um hotel de Brasília onde ouviu a ordem
para reassumir seu posto no diretório nacional do PT. “Lula queria me
controlar”, afirmou a amigos.
Ao contrário de vários petistas, Dirceu não vê Lula se movimentando
em direção a uma possível candidatura em 2018.
Ele diz acreditar que o
ex-presidente está mais ocupado no momento em mobilizar os setores
próximos do partido e “colocar lógica” na relação turbulenta do governo
com o PMDB.
Mas não descarta a volta do companheiro.
“Se chegar em maio de 2018 e o Lula disser que é candidato ninguém vai se opor”, disse ele aos amigos na semana passada.
VOLTAR À CADEIA
Às poucas pessoas de fora de seu círculo pessoal com quem tem
conversado enquanto cumpre pena em regime aberto, em Brasília, ele
também não esconde o temor de voltar à cadeia por causa da Lava Jato.
“Querem me condenar ou me colocar outra vez na cadeia. Imagine o
estardalhaço”, disse ele em uma dessas conversas.
A força-tarefa da Lava Jato investiga um pagamento de R$ 1,15 milhão
feito pelo lobista Milton Pascowitch à J. D. Assessoria e Consultoria em
2012, enquanto o Supremo julgava o mensalão e desconfia que o pagamento
pode não estar relacionado com os serviços da empresa.
Dirceu passou 11 meses na Papuda, em Brasília e desde novembro do ano
passado ganhou o direito a cumprir a pena em casa, de onde sai apenas
para trabalhar no escritório do advogado José Geraldo Grossi, em
Brasília.
Ele segue à risca a proibição de dar entrevistas ou ter
atividades políticas e mantém o foco em sua defesa na Lava Jato.
A esses
poucos interlocutores, nega com ênfase as denúncias e diz ter enviado à
Justiça provas da prestação dos serviços.
DINHEIRO PARA CAMPANHA
Além disso, sempre aproveita para rechaçar o julgamento do mensalão
reafirmando que a compra de apoio parlamentar não existiu.
“Aquilo era
dinheiro para campanha e dívidas de campanha”, repete.
Os amigos que visitam Dirceu percebem no ex-ministro os efeitos dos
meses na cadeia tanto no físico quanto no humor.
Afirmam que ele tem
reclamado com frequência da falta de dinheiro, garantindo que vive
atualmente apenas com R$ 4 mil que recebe no escritório e o salário de
aproximadamente R$ 12 mil da J.D. Assessoria e Consultoria – que deve
encerrar as atividades em seis meses com dívidas de mais de R$ 1 milhão,
segundo relatos.
Dirceu tem alegado também que os milhões recebidos desde que deixou o
governo, em 2005, se foram na defesa política e jurídica do mensalão e
nas atividades de consultoria.
Foram mais de 300 viagens pelo Brasil e
128 a 23 países do exterior entre 2005 e 2013. O ex-ministro tem
afirmado ainda que parte do seu patrimônio será colocada à venda para
pagar as dívidas da empresa. “Não posso mais trabalhar no Brasil”, disse
ele a uma pessoa próxima.
PAPEL SECUNDÁRIO
Embora esteja formalmente afastado da política, Dirceu acompanha de
perto as movimentações no PT.
Para ele, o partido hoje tem papel
secundário na política nacional devido ao protagonismo do PMDB no
Congresso, mas nem de longe está morto.
O ex-ministro cita como exemplo o
PSOE espanhol, que deixou o governo em 1996 sob denúncias de corrupção e
colaboração com o terrorismo, chegou a ser descartado como opção de
poder, mas voltou com força em 2003.
Para Dirceu, o processo de reorganização do PT “é coisa para 4, 6 ou 8
anos”.
Ele prevê que em 2016 o partido conquiste menos de 10% dos votos
nas eleições municipais, uma redução em relação aos 13% alcançados em
2012.
Tribuna da Internet